A partilha de mensagens ou imagens de cariz sexual em plataformas digitais parece ser uma prática cada vez mais comum nas redes sociais. Sejam ex-namorados, amigos ou completos desconhecidos, os milhares de membros do canal reservam-se, aparentemente, no direito de partilhar conteúdo que não lhes pertence, sem o consentimento das protagonistas. Cada uma destas partilhas é depois comentada e avaliada de forma obscena pelos restantes participantes.
No fundo, a vida privada e intimidade destas vítimas que não fazem ideia do que está a acontecer, está ali exposta para toda a gente ver. Existem fotografias que foram publicadas pelas próprias nas redes sociais, exemplos de imagens que enviaram aos companheiros em privado ou até mesmo fotos que lhes são tiradas sem que elas saibam.
No caso do “Pussylicious”, o grupo está dividido em dezenas de subtópicos, criados pelos membros ou subscritores. Basicamente, qualquer pessoa que faça parte da comunidade pode criar um destes subgrupos — que se podem tornar mais ou menos residentes.
Existem mais de 20 casos assim, com nomes como “Trans”, “+60”, “Feia, mas até comia…”, “Tugas desconhecidas” e “Namoradas de amigos”. Depois, existem também os tópicos dedicados às cidades, como Barreiro ou Penafiel, onde são partilhados conteúdos de mulheres que, aparentemente, vivem nestas localidades.
“Nudes em Santa Maria da Feira, nada?”, pergunta um dos membros no grupo do Telegram. Seguem-se várias respostas. Pelo que a NiC percebeu, a maioria dos membros do canal é bastante ativa, com milhares de mensagens trocadas todos os dias.
Alguns dos membros até se dão ao trabalho de “construir uma narrativa completa” sobre as vítimas, conta a mesma fonte à NiC. Mais do que publicar fotografias, íntimas ou não, partilham os links diretos para as redes sociais da pessoa em questão. E, caso a conheçam, revelam ainda outras informações pessoais.
“Voyeur” é outro dos subgrupos onde são partilhadas fotografias de mulheres no dia a dia, seja a fazerem simples compras no supermercado, no escritório ou de biquíni na praia. Estas imagens são tiradas às escondidas, sem o consentimento das protagonistas. Existe ainda um subtópico com nudes de celebridades criadas por Inteligência Artificial. E várias celebridades portuguesas — como atrizes, jornalistas ou apresentadoras — têm páginas inteiras dedicadas a elas, com fotos que são tiradas das redes sociais ou de revistas cor de rosa.
Outro dos grupos mais populares deste canal português no Telegram chama-se “Chibos”. Aqui as protagonistas não são as mulheres, mas sim os homens daquele grupo que contaram a outras pessoas a existência do canal. Os membros identificados como chibos são excluídos e banidos — mas são também perfeitamente identificados para que, caso surja a oportunidade certa, sejam vítimas de represálias.
Pelo que a NiC percebeu, os administradores conseguem ver a atividade dos membros e descobrir quem andou a partilhar as ligações. Para o resto da comunidade — ao contrário do que acontece no WhatsApp, por exemplo —, a única informação sobre os participantes é o respetivo nome de utilizador, uma vez que não aparecem números de telemóvel. Assim, toda a gente acaba por se manter no anonimato. A não ser que escolham utilizar uma fotografia sua como imagem de perfil.
Um crime que continua a crescer
O “Pussylicious” não é o único canal do género que existe em Portugal, onde são partilhados conteúdos eróticos de forma não consensual. Outro caso é o “Pussylga”, onde muitas mulheres viram, e continuam a ver, a sua intimidade exposta na Internet, de forma completamente impotente. Apesar das queixas das vítimas à justiça, o grupo continua ativo e a acumular cada vez mais membros.
O crescimento das redes sociais e o surgimento de plataformas com mensagens não rastreadas são alguns dos fatores que contribuíram para o aumento da partilha de conteúdos íntimos sem consentimento.
A Revent Porn Helpline, o único serviço do Reino Unido dedicado a apoiar as pessoas vítimas de abuso de imagens íntimas, divulgou, em maio deste ano, os dados do relatório anual que analisa as tendências em 2023. As descobertas mostraram uma diferença de género alarmante. Em 95 por cento dos casos, as vítimas são mulheres.
O serviço de ajuda registou um aumento de casos de 106 por cento, em relação ao ano anterior. Entre eles, a forma mais comum de abuso são as situações denominadas como extorsão sexual, o crime de chantagem sexual online, onde os criminosos exigem dinheiro para não divulgarem conteúdo íntimo.
Em Portugal, em abril de 2023, foi aprovado na Assembleia da República uma proposta para proteger as vítimas de partilha de conteúdos íntimos sem autorização, com a criação de diferentes moldura penais em função da gravidade dos atos. A lei passará a prever uma pena de até cinco anos de prisão para quem “disseminar ou contribuir para a disseminação” não-consentida de imagens, fotografias e gravações que devassa a vida privada, “designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual” através dos meios de comunicação social, da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada.
Associações como a Não Partilhes, criada por Inês Marinho, uma jovem de 26 anos que já viu as suas fotografias a serem partilhadas em grupos do género, procuram consciencializar o público para crimes de partilhas indevidas. Se é uma dessas vítimas, pode contactar esta associação para conhecer melhor os seus direitos e de que forma pode atuar junto da justiça.