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Não se esqueça de acertar o relógio: a hora vai voltar a mudar no próximo domingo

Na madrugada do dia 30 de outubro, regressamos ao horário de inverno que irá manter-se em vigor até 26 de março.
Prepare-se para dormir mais.

Chegámos novamente àquela altura do ano em que o desejo diário de ignorar o despertador se pode tornar realidade, o último domingo de outubro. E o que é que isso significa? Que na madrugada de dia 30 de outubro regressamos ao horário de inverno. Quantas vezes pedimos para dormir mais um pouco, nem que seja apenas uma hora? Não se esqueça de mudar os relógios lá de casa. Afinal, ninguém gosta de acordar e ficar a saber que podia ter ficado na cama mais 60 minutos.

Às duas da madrugada, em Portugal e na Região Autónoma da Madeira, os relógios atrasam e voltam a marcar uma hora. Na Região Autónoma dos Açores, verifica-se o mesmo atraso, mas a mudança acontece logo à 1 da manhã, uma hora antes do resto do País.

O novo horário manter-se-à em vigor até 26 de março que, segundo o Observatório Astronómico de Lisboa, será a data em que voltará a ocorrer a transição para o horário de verão. O cenário poderia ser bem diferente, se a votação de 2019 do Parlamento Europeu — que aprovou o fim da mudança de hora — tivesse realmente avançado. A implementação da legislação, que ficou nas mãos dos Estados-membros, nunca saiu da gaveta.

Um processo complicado sem fim à vista

O objetivo essencial da mudança da hora é o de maximizar a luz solar durante as horas de maior atividade, já que os dias começam a crescer na primavera e depois diminuem no outono. Mas os benefícios dessa alteração são controversos e têm sido alvo de muitas teorias.

Num mega inquérito realizado pela União Europeia em 2018, 84 por cento de cerca de 4,6 milhões de participantes manifestaram-se a favor do fim das mudanças do relógio. Isto levou o então presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, a pedir que o sistema fosse descartado logo a partir de 2019, com os países a ficarem responsáveis por escolher entre viver permanentemente no horário de inverno ou de verão.

Porém, em março, os eurodeputados deram ouvidos aos pedidos de vários ministros nacionais — que queriam realizar mais estudos, antes de uma decisão final — e optaram, em reunião, por atrasar as medidas. Bruxelas quer ter mais apoio e entusiasmo entre os Estados-Membros para não fragmentar a União Europeia num assunto tão delicado e onde a coordenação é essencial.

Na decisão saída desse reunião e publicada online, explica-se que os membros do Parlamento Europeu apoiaram a proposta da Comissão de interromper a mudança de horário, mas votaram a favor do adiamento da data de 2019 para 2021.

“Eles [membros do Parlamento] propuseram que a mudança de horário prevista para o último domingo de março de 2021 fosse a última para os Estados-Membros da UE que desejassem manter o horário de verão. Os Estados-Membros que preferem manter o horário normal, ou seja, o de inverno, podem alterar seu horário uma última vez no último domingo de outubro de 2021”, pode ler-se na resolução.

Os Estados-Membros teriam de fazer uma escolha e notificar sua decisão à Comissão até 1 de abril de 2020, o mais tardar, adianta a mesma. Ora mais de dois anos depois, isso não aconteceu. Entretanto, a pandemia ganhou prioridade na agenda e a decisão foi sendo adiada.

A maioria dos 27 países de UE ainda não se posicionou formalmente mas, no final de 2018, o primeiro-ministro português, António Costa, manifestou a intenção de Portugal simplesmente manter a mudança, duas vezes por ano — a Grécia e o Reino Unido também queriam tudo como está.

Costa citou então o Observatório Astronómico de Lisboa (OAL), que tem recomendado a manutenção do regime bi-horário, com uma hora de verão e uma de inverno. Esta organização defende que o fim desta rotatividade não faz grande sentido, pelo menos para Portugal, por dois motivos. Por um lado, por considerar que o inquérito feito por Bruxelas não é representativo.

“Não teve em conta a real distribuição geográfica das pessoas — 60 por cento dos votantes eram da Alemanha —, nem sequer foi estratificada por idades ou géneros de maneira proporcional à população, que é o que se faz para ter uma amostra estatisticamente representativa da opinião real das pessoas. Também houve uma clara influência de associações que pedem o fim da mudança e votam nesse sentido, em força, à primeira oportunidade. Simplesmente, não é representativo, é enviesado”, explicava então à NiT Rui Agostinho, do OAL.

Além disso, Portugal já testou por diversas vezes acabar com a mudança de hora — no início do século, experimentou manter a de inverno e, segundo os documentos do OAL, entre 1967 e 1975 experimentou manter a de verão. Acabou por voltar sempre às mudanças duas vezes por ano.

“Já experimentámos manter a hora? Já. E resultou? Penso que não, a avaliar pelo facto de se ter sempre escolhido regressar aos dois horários”, destacou.

Tal como muitos ministros europeus, o observatório pede mais estudos antes da decisão ser final. Os argumentos apresentados por várias entidades europeias é o de que o desaparecimento da mudança e as eventuais coordenações entre os países que escolherem inverno ou verão terão um impacto sobre os horários dos transportes, aviões, agricultura e o sistema bancário.

Como tudo começou

Esta rotina, que tem feito parte de vários países um pouco por todo o mundo, começou há mais de 100 anos. Segundo um estudo conduzido pela Assembleia da União Europeia em outubro de 2017, a ideia inicial partiu de um construtor britânico chamado William Willett, que em 1907 escreveu um panfleto chamado “O Desperdício da Luz do Dia”.

A prática em si só foi adotada pela Alemanha em 1916. O exemplo foi seguido por outros países europeus, bem como os Estados Unidos, com objetivo de poupar energia tendo em conta a crise energética que atravessavam durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Atualmente, existem três fusos horários na UE: Hora da Europa Ocidental, que inclui o Reino Unido, Portugal e Irlanda; Hora da Europa Central, que inclui Espanha, Alemanha e Itália; e Hora da Europa Oriental, que inclui Grécia, Finlândia e Roménia.

Pelo meio, tem sido discutido se Espanha está no fuso horário devido. Durante a Segunda Guerra Mundial, os espanhóis e outros países europeus, com exceção de Portugal e Suíça, avançaram os relógios. Mas Espanha nunca voltou ao tempo da Europa Ocidental. Assim, embora geograficamente devesse estar no mesmo fuso horário que o do Reino Unido e Portugal, os seus relógios estão na mesma zona dos países de leste.

A alteração da prática da mudança, que é coordenada pela União Europeia desde 1996, começou a ser discutida no Parlamento Europeu no início de fevereiro de 2018. Meses depois, em agosto, surgiram os resultados oficiais do tal inquérito da Comissão Europeia, onde se votava a favor do fim da mudança.

Países como a Rússia, a Turquia e a Islândia já aboliram a prática. Em Portugal, a mudança da hora foi adotada pela primeira vez a 30 de abril de 1916, em plena Primeira Guerra Mundial, com objetivo de minimizar o uso de iluminação artificial, e assim contribuir para economizar combustível para o esforço de guerra.

As justificações a favor e contra a mudança da hora são variadas, mas muitos estudos analisam a poupança de energia com este regime. Outros dizem mesmo que a alteração pode ter efeitos na saúde ou no sistema imunológico. Argumentos mais recentes, sobretudo a favor do horário de verão permanente, são a de que mais luz ao fim do dia, durante todo o ano se a hora de inverno não chegar, incentiva o ato de estar ao ar livre e até o comércio.

O Brasil já acabou com a mudança — os EUA podem seguir o exemplo

Enquanto na Europa se debate e analisa a situação, no Brasil, Jair Bolsonaro chegou e decidiu. O presidente brasileiro assinou, em abril, um decreto lei que acabou com este ritual.

O horário de verão, adotado em 1931, foi eliminado. Pela primeira vez em 35 anos, não houve mudança de hora este domingo — o dia no Brasil, em que os relógios teriam sido adiantados para entrar no horário de verão.

O argumento é de que a mudança da hora, criada para poupar energia, já não faz sentido hoje em dia, mas a medida tem sido contestada em algumas regiões.

Entretanto, nos Estados Unidos, o senado aprovou este mês uma legislação que pode abolir as mudanças e implementar, de forma permanente, o horário de verão. A lei será então apresentada à Câmara dos Representantes para que os congressistas possam aprovar a decisão, que depois terá que ser assinada por Joe Biden.

 

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