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“É como entrar numa cápsula do tempo”. O jovem que explora locais abandonados em Portugal

Já visitou centros comerciais, cemitérios de carros, palácios e casas que guardam histórias de famílias.
Tem 31 anos.

Palácios grandiosos que fazem museus parecer miniaturas, solares históricos, cemitérios de carros, barcos e aviões. Empreendimentos turísticos, condomínios privados, quintas, centros comerciais e até aldeias abandonadas. Portugal possui, possivelmente, um dos maiores patrimónios abandonados do mundo, com locais cheios de história que, por variados motivos, foram deixados para trás e ficaram parados no tempo — mas não foram esquecidos. E a isso podemos agradecer ao “urbex”, uma abreviação da expressão em inglês “urban exploration”.

Em português é traduzida para exploração urbana, e quase sem darmos por isso, está a tornar-se uma subcultura com cada vez mais seguidores, especialmente nas redes sociais. Os exploradores urbanos descobrem locais abandonados que passam despercebidos no dia a dia. E qualquer um, de qualquer idade, o pode fazer.

David Teimão tem 31 anos, nasceu em Abrantes e vive no Barreiro. Estudou Programação Informática, trabalha atualmente em segurança bancária, mas também trabalhou durante uns tempos nos bombeiros de Abrantes e na Worten. Foi nesse período, em 2009, que começou a interessar-se por locais abandonados. Nessa altura, nem sabia que existia o conceito de urbex.

“Este interesse surgiu no seguimento de ver muitos edifícios ao abandono, comecei a explorar em meados de 2009. O objetivo era apenas explorar, não havia intenção de tirar fotografias, nem tinha equipamento para isso”, conta à NiT o urban explorer. Contudo, com os dois trabalhos, não havia tanta disponibilidade para investigar os lugares e decidiu deixar de o fazer em 2012 — até que chegou a pandemia.

David Teimão decidiu voltar a explorar lugares abandonados em 2020 e desde então nunca mais parou. Desta vez, com o equipamento certo. É nas redes sociais, sobretudo no Instagram, que vai partilhando fotografias dos sítios que encontra e as suas histórias. “Não vejo isto como um hobbie, é mais uma paixão, é algo mágico. O meu intuito é apenas tirar fotografias e conseguir saber qual a história de cada lugar”, diz.

O primeiro local que visitou foi uma fábrica, que ainda continha algum material no interior, e posteriormente explorou casas antigas e edifícios em ruínas, “sem grande valor arquitetónico”. Com o passar do tempo, foi encontrando espaços cada vez mais incríveis, como centros comerciais, mosteiros ou cemitérios de carros. 

Apesar de grande parte do trabalho de pesquisa ser feito no Google Maps, há muitas outras formas de descobrir estes locais. “Procuro em blogs, sites de arquivos, páginas do Facebook. Existe muito conteúdo que permite a descoberta de novos lugares. Entre exploradores de confiança, é possível encontrar pistas e até coordenadas”, confessa. Com o reconhecimento no Instagram, também recebe semanalmente várias dicas que, por vezes, revelam lugares fantásticos para explorar. 

Ainda assim, o ofício de um urban explorer nem sempre é fácil: é preciso muita dedicação e persistência, é necessário ir ao terreno, gastar tempo e combustível para deslocações que, por vezes, não dão em nada. “É fundamental gostar de explorar. Acontece muita vez bater com o nariz na porta e é frustrante quando isso acontece”, revela David Teimão.

Por outro lado, quando as encontra, é mágico. “É como entrar numa cápsula do tempo”. Uma verdadeira viagem ao passado. Procura sempre entender o que aconteceu, quem ali viveu e quem eram aquelas pessoas.

Embora as propriedades sejam privadas, David não gosta do conceito de invadir. Afinal, grande parte delas estão abandonadas, fechadas ou esquecidas. “O meu objetivo é apreciar os lugares, registar em fotografias e, sempre que possível, descobrir a sua história. Às vezes não é possível, mas não desisto”, diz.

Ao “invadir” as propriedades, acaba sempre por correr alguns riscos e já passou por algumas situações menos agradáveis e que o deixaram sem palavras, como quando encontrou animais no espaço, como cães, porcos e até avestruzes. Outras revelaram-se uma grande surpresa. 

Foi o caso de uma mansão que se encontrava à venda e, quando estava pronto para se ir embora, encontrou o caseiro com visitas para a casa. Chamou o dono e a GNR, mas aconteceu algo incrível: “Quando chegaram, todas as informações foram facultadas aos donos, disse-lhes qual era o meu objetivo. Não só ficaram fãs do meu trabalho, como ainda me fizeram uma visita guiada à casa. O caseiro não achou agradável, mas os donos contaram a história e mostraram todos os cantos da mansão”, conta. Um mês após ter partilhado o registo fotográfico nas redes sociais, veio a descobrir que a propriedade tinha sido comprada — e estava à venda há 10 anos.

Este não foi um caso único e, já por duas vezes, conseguiu encontrar-se com os proprietários para ficar a saber a histórias destas casas. Uma delas em Vila Nova de Gaia e outra em Coimbra. Uma das que lhe deu mais trabalho foi a propriedade apelidada de Casa dos Sonhos, uma construção cheia de pormenores e com elementos de Art Nouveau. “Custou-me um depósito de gasóleo e 40€ em portagens e ainda um dia inteiro, mas não me arrependo. Gostei imenso de conhecer a família do fundador da casa, assim como registos fotográficos daquela altura”, conta.

Apesar de já ter passado por dezenas de sítios abandonados, é difícil escolher um favorito, mas o que mais o fascina são os “detalhes arquitetónicos, arte nos tetos, pinturas nas partes, artes grandiosos em paredes, solares e palácios esquecidos”. Por outro lado, também é fascinado pela história que existe por trás de cada sítio, assim como os móveis e pertences antigos que foram deixados para trás. “Admiro aquilo que é antigo e cheio de pó. Gosto de encontrar casas com o recheio intacto, paradas no tempo, móveis estimados, camas feitas, todos os pertences nos seus devidos lugares.”

Quanto à localização dos sítios, assim como todos os urban explorers, David Teimão prefere não partilhá-la para preservar a história e a beleza que estes lugares guardam. “Cada vez há mais lugares abandonados a serem vandalizados, as informações certas nas mãos erradas. Já aconteceu casas serem completamente vandalizadas e tudo o que estava lá dentro foi levado. O conceito de explorar estes lugares passa por manter o lugar intacto”, sublinha.

Carregue na galeria para ver algumas das fotografias que o urban explorer partilha nas redes sociais. 

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