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Carla Henriques foi a primeira portuguesa a entrar na maior gruta do mundo

A aventureira também já fugiu de um crocodilo, mergulhou com tubarões e voou num helicóptero russo.
É líder de viagens da Papa-Léguas.

Carla Henriques tem 40 anos, vive em Sintra, e tem um emprego de sonho para muitos: é líder de viagens da agência Papa-Léguas há cerca de sete anos. Apesar de ainda não conhecer todos os continentes, já viveu momentos inesquecíveis. Foi a primeira rapariga portuguesa a entrar na maior gruta do mundo, no Vietname, voou num helicóptero russo, dormiu em estações de comboio, fugiu de um crocodilo e mergulhou com tubarões. Podia escrever um livro de aventuras, mas enquanto isso não acontece pode acompanhá-la a Socotra, Chile, Bolívia, Albânia, Sri Lanka e muitos outros destinos.

O bichinho das viagens surgiu de forma inconsciente, graças às deslocações que fazia com os pais por Portugal: o pai era do Norte e a mãe do Alentejo e percorriam com frequência as estradas nacionais. “São sempre aquelas memórias que ficam, o apontar um sítio no mapa, o andar à descoberta, ver sítios novos e experimentar coisas novas. A curiosidade vai aumentando e, quando damos por nós, queremos ir ainda mais longe”, conta à NiT Carla Henriques.

Aos 19 anos, fez a primeira grande viagem: um interrail de um mês pela Europa com duas amigas. Nessa altura a paixão por conhecer novos destinos começou a despontar, mas ainda sem sonhar que um dia seria esse o seu trabalho. Até porque, na altura, estava a tirar uma licenciatura em engenharia do ambiente.

Quando terminou o curso foi para Espanha fazer um estágio de seis meses e, quando regressou, começou a trabalhar na área. “Estive numa empresa uns seis ou sete anos, mas com o tempo comecei a perceber que aquilo não era para mim. Estava miserável e queria sair”, revela. Coincidência ou não, em 2013, o grupo empresarial atravessou um momento difícil e houve um despedimento coletivo. Carla , que na altura tinha 30 anos, foi uma das dispensadas.

“Quando saí vi-me com tempo livre, algum dinheiro e pensei: sempre quis fazer uma grande viagem e vai ser agora”, recorda. Foi despedida em junho e, em outubro, partiu à aventura para o continente asiático. A viagem, que inicialmente prevista para durar seis meses, prolongou-se por dois anos.

“Saí da minha zona de conforto: foi a primeira vez que fui para a Ásia e que viajei a solo. Não escolhi a Ásia à toa, como estava sozinha pensei que seria um destino tranquilo para começar”, refere. Saiu de Portugal com um bilhete só de ida para o Nepal, depois cruzou o Tibete, conheceu a China e viveu cerca de nove meses no Vietname.

Lá, trabalhou num hostel que ficava dentro do Parque Nacional de Phong Nha-Ké Bàng e, além de receber viajantes, também fazia algumas tours. Foi precisamente graças a isso que conseguiu fazer a expedição à maior gruta do mundo, Son Doong. Com mais de 200 metros de largura, 15 de altura e nove quilómetros de comprimento, a cavidade foi descoberta em 1991 por um agricultor chamado Ho Khanh.

“Quando fiz a inscrição, disseram-me que era a primeira portuguesa a entrar lá. Aquilo é surreal, o cérebro não consegue compreender o quão grande aquilo é. Tem um ecossistema inteiro lá dentro e os guias dizem que era possível girar o Empire State Building lá dentro que não tocava em lado nenhum. É gigante”, recorda Carla. A expedição durou oito dias e quatro das noites foram passadas na gruta. Para chegar lá, tiveram que atravessar a selva até chegarem a uma cavidade mais pequena onde passaram a primeira noite. Só no segundo dia é que atravessaram a selva e entraram na Son Doong. “Dormíamos em tendas e a expedição só permitia levar oito pessoas de cada vez. Só podíamos levar 10 quilos connosco, no máximo”, conta.

Esta não foi a única experiência inesquecível que viveu muitas no continente asiático — algumas boas, outras mais assustadoras. Ao longo daqueles dois anos, foi roubada, esteve internada no hospital devido a uma infeção, torceu um pé e fugiu de um crocodilo durante uma visita ao Brunei. “Estava num parque com muitos orangotangos selvagens e, no final do dia, decidi fazer um trilho à beira rio. Quando vi um crocodilo enorme, pensava que era um tronco, mas entretanto, olhou para mim e eu desatei a correr”, relata.

Apesar de ter fugido do crocodilo, já mergulhou com tubarões. A meio da viagem, decidiu aproveitar as estadias nos países por onde foi passando de outra maneira: passou temporadas a trabalhar (workaways) e fez de cursos de massagem tailandesa e de mergulho. Desde então, nunca perde uma perde uma oportunidade para mergulhar nos destinos onde é possível fazê-lo.

A experiência como líder de viagens

Após o longo périplo pela Ásia, quando regressou a Portugal decidiu que não queria voltar a trabalhar em empresas. Só tinha um desejo: continuar a viajar. Mandou um e-mail para o grupo Papa-Léguas que estava à procura de guias em Portugal para receberem grupos estrangeiros.

Carla Henriques tornou-se assim líder de viagens da agência. Começou por levar turistas a conhecerem o Porto, o Douro ou a Costa Vicentina e, um ano depois, estreou-se nas viagens ao estrangeiro, quando acompanhou um grupo à Birmânia. “Saí muito da minha zona de conforto, porque não estava habituada a orientar um grupo, mas fui aprendendo com o tempo. Hoje considero que continuo a aprender o que é ser guia, como é que este trabalho se faz. São sempre grupos e dinâmicas diferentes”, diz.

Enquanto viajante a solo, um dos maiores desafios para Carla é conseguir confiar no seu próprio instinto, mesmo que para isso tenha de perder algumas experiências. “Como mulher tenho sempre de pensar duas vezes. O maior susto que apanhei foi há dois anos, no Montenegro, quando apanhei boleia de um homem. Na minha cabeça era normal apanhar boleias, mas correu mal. O rapaz começou a tocar-me e a passar a mão em cima da minha perna. Tentei afastá-lo e fugi do carro assim que tive oportunidade”, recorda.

Já como guia, o maior desafio é tentar que os clientes tenham a viagem da vida deles e que consigam compreender o destino que visitam. Um dos momentos de maior tensão que viveu enquanto líder foi quando a Organização Mundial de Saúde declarou a pandemia. Na altura, estava em Santiago do Chile à espera de receber um grupo e “estava tudo um caos”. “Só mais tarde me disseram que tinha de ir embora imediatamente porque as fronteiras estavam prestes a fechar, sem previsão de quando voltariam a abrir. Só me asseguraram voo até Madrid e cheguei na noite em que Portugal fechou as fronteiras.”

Depois de praticamente dois anos sem viagens, a agência Papa-Léguas, que existe há 25 anos, retomou os percursos em força em 2022. Este ano, pode viajar com Carla Henriques para Socotra, Chile e Bolívia, Albânia e Sri Lanka.

De seguida, carregue na galeria para ver algumas das fotografias das viagens de grupo lideradas pela aventureira.

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