Costuma dizer-se que o amor não escolhe idades, mas neste caso pode dizer-se que não escolhe um lugar específico para se manifestar. O padre Rodolfo Leite, da diocese de Coimbra, compreendeu isso ao visitar João, que estava internado nos Cuidados Paliativos do Hospital de Cantanhede, no final de julho. João Góis tem um cancro raro em estado avançado, associado a Síndrome de Lynch.
O encontro, que poderia ter sido apenas mais uma visita rotineira, tocou profundamente o coração do pároco, que decidiu partilhar a experiência nas redes sociais. “Conversámos muito nesse dia”, recordou. “Não são encontros fáceis, pois faltam-nos as palavras, as emoções como que nos engasgam e o esforço para não chorar junto de quem sofre, como o João estava, é desgastante. Mas é a nossa missão. Depois, fui acompanhando a sua situação.”
Além de João, acabou por conhecer Filipa, a sua melhor amiga e companheira — juntos sempre conseguiram superar as adversidades da vida. “A força de vontade dela harmonizou na perfeição com a força de bondade dele”, confessou o padre, que mais tarde conheceu Mateus, o filho do casal, ainda um bebé com menos de um ano.
A história de amor parecia perfeita, mas a saúde de João começava a deteriorar-se rapidamente, levando-o a ser internado no Centro de Cuidados Paliativos, onde o padre o visitou diversas vezes. “Apercebi-me da quase permanente presença da Filipa e, também, de muitos familiares e amigos.” Até que, no último sábado de setembro, recebeu um telefonema inesperado dela.
“Pode casar-nos em Cantanhede?”
Perante a urgência da situação, o padre compreendeu que não havia tempo a perder. Mesmo com a agenda preenchida, Rodolfo Leite fez algumas chamadas e avançou com a sua missão: celebrar o amor de um casal que desejava estar junto até ao fim.
“Falei com o João e percebi que, de coração, era mesmo o que desejava”. Após ter sido medicado para as dores, “com um carinho e ternura da Dra. Lurdes que valeram tanto ou mais do que qualquer medicamento que lhe injetaram”, o noivo recebeu a visita dos amigos, que o ajudaram a preparar-se para o grande momento.
Desta vez, a espera pela noiva não foi longa. “Com um sorriso e um olhar sempre vivo, apesar da tristeza de ver sofrer aquele que ama”, relatou o padre que acabou por celebrar a união num quarto que se transformou numa catedral “pela densidade de amor que ali se respirava, num ambiente tão humano como sagrado”.
O padre, os noivos e duas testemunhas participaram numa cerimónia comovente. “Confesso que fiz um grande esforço para controlar as emoções, mas todos celebrámos, intensamente, com a Filipa e o João, o seu amor”.
Já posso beijar a noiva?
A emoção do momento só foi quebrada pela pergunta ansiosa de João: “Já posso beijar a noiva?”. Emocionadas, mas sorridentes, as testemunhas assistiram ao selar de uma história de amor. “Apesar da dor e do drama da doença, senti, no meu íntimo, a força e a verdade das palavras de São Paulo: ‘Estou convencido de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem a altura, nem o abismo, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus que está em Cristo Jesus, Senhor nosso… ‘(Rm 8, 38s)”, salientou o padre.
Seguiu-se uma fotografia para registar aquele momento, com a presença do pequeno Mateus. “Ambos frágeis, um por ser bebé, o outro pela doença, estavam e estão unidos por um amor que não se diz, mas que se topa, sem teorias nem adornos melosos. Ambos, com ternura inocente, beijaram-se. A Filipa contemplava tudo emocionada, num misto de alegria e tristeza.”
A partilha do padre Rodolfo Leite nas redes sociais tocou o coração de muitos, recebendo mais de cem comentários e inúmeras partilhas. “Naquele quarto, onde tudo pareceu perder o sentido, para tantos que ali passaram e sofreram, como agora o João, gritou, mais forte e de forma bela, o Amor. Sim! O Amor que Deus nos dá e faz capazes de viver. Não tenhamos dúvidas, esse é o grande e verdadeiro poder que possuímos. Os outros poderes são mera ilusão, que escondem as fraquezas de quem não sabe amar”.