Uma das grandes missões de Tiago Anjinho, 26 anos, é mostrar todas as valências do violoncelo, além da valorização do património português, neste caso de Coimbra. Por outras palavras, o seu grande sonho é transformar a cidade dos estudantes na capital portuguesa do violoncelo, à semelhança do que acontece em Londres, Milão e Amesterdão.
Para isso, o músico decidiu criar o Corda Cello Festival. Trata-se de um evento único na cidade, que promete mostrar que o violoncelo não se ouve apenas em ambientes tradicionais, mas também em auditórios. A quarta edição do festival arranca no dia 10 de maio, sexta-feira, com uma programação cultural eclética composta por vários artistas de renome nacionais e internacionais.
O primeiro concerto acontece dia 10 de maio, pelas 21 horas, com a violoncelista francesa Ophélie Gaillard, no Mosteiro de Santa Clara-a-Velha. No dia 14 de maio, pelas 20 horas, a Sé Velha vai receber o Quarteto Chiado com os “sons da catedral”. Já no dia 17, o festival dará o seu próprio contributo nas celebrações do 25 de abril, com a atuação do violoncelista Diogo Martins, na Casa da Cidadania da Língua, pelas 21 horas.
No dia 19 de maio, passamos para a Igreja do Convento São Francisco com o promotor e diretor criativo do evento, Tiago Anjinho. O espetáculo “metamorfose” será dedicado ao fado de Coimbra, em que a “voz será substituída pelo violoncelo”. Um dos grandes momentos do festival está marcado para dia 22 de maio, às 21 horas, com a estreia mundial de 12 violoncelos da obra “La Mer’ de Debussy”, da autoria do maestro e compositor Luís Carvalho.
O último espetáculo será no dia 7 de junho, pelas 21 horas, na Biblioteca Joanina. Trata-se de um recital de violoncelo e piano comandado por Gonçalo Lélis e Sérgio de A.
Além de todos os concertos, estão previstas diversas palestras e masterclasses espalhadas pela cidade. Todas as iniciativas têm o objetivo de desmistificar este instrumento, além de ajudar jovens artistas a integrarem-se e conhecerem melhor o mundo da música. A maioria da programação é gratuita. O preço dos bilhetes dos eventos pagos ronda os 8€ por pessoa. Pode comprar os ingressos online através do site oficial.
A propósito deste evento, a New in Coimbra esteve à conversa com Tiago Anjinho, sobre o seu percurso nacional e internacional enquanto músico de violoncelo e os planos que reserva para o futuro.
Como é que a música surgiu na sua vida?
O meu percurso foi um quanto aleatório e um pouco diferente dos outros colegas. Os músicos profissionais começam bastante cedo, às vezes desde os três anos. No meu caso, comecei entre os dez e os 11 anos como uma atividade extracurricular, até aos 16 anos. Ninguém na família tocava ou estava ligado à música, é algo que não consigo explicar. Na altura, comentei com os meus pais que queria fazer música e pediram-me para escolher um instrumento. Até essa escolha foi aleatória. Já sabia que queria de cordas, então coloquei vários sons no YouTube. Uns eram demasiado agudos, outros muitos graves e, por isso, escolhi algo que ficasse no meio — o violoncelo.
Já passou por diversos palcos e países. Como resume o seu percurso?
Nasci e comecei a estudar em Coimbra. Aos 12 anos, estudei no Conservatório de Coimbra e segui para o Porto para a licenciatura na Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo. Em 2019, continuei por Londres para complementar o mestrado na Royal Academy of Music. Atualmente, trabalho no regime freelancer, enquanto suplemento de orquestra, em Portugal, Londres e Milão.
Na sua opinião, o que acha que o levou a chegar tão longe em pouco tempo?
À medida que fui crescendo, fui ganhando bastante incentivo de colegas e até mesmo de professores. Tive a sorte de me ter cruzado com professores fantásticos e que sempre foram uma família para mim, como a professora Sofia Novo e Filipe Quaresma. Até foi caricato, porque quando fui para Londres, acabei por estudar com um antigo professor de Filipe Quaresma. Tudo isto, fez com que o gosto pelo violoncelo e pela cultura aumentasse. Os meus pais também foram fundamentais. Apoiaram-me sempre, desde o primeiro momento, mas estavam receosos. É normal, em Portugal é uma profissão invulgar ainda. No início, é claro que estavam céticos, mas assim que entenderam a minha seriedade e que não tomei a decisão de ânimo leve, apoiaram-me sempre.
Atualmente vive entre diversos países. Como é que faz essa gestão?
Ainda não tinha pensado muito sobre esse assunto, mas realmente é preciso muita organização. Para o festival, tive de regressar a Coimbra por algum tempo e pelo País vou trabalhado com algumas orquestras, enquanto freelancer. Já passei pela Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música, Orquestra Gulbenkian, a Orquestra Filarmónica Portuguesa e ainda a Camerata NOV’ARTE. Em Portugal, tenho sempre a casa dos pais e de amigos, o que facilita esse movimento. Tanto em Milão como em Londres, tenho dois alojamentos que vou arrendando quando não preciso de estar lá. No entanto, é uma situação provisória.
Qual é o momento mais caricato com que já se deparou na sua carreira?
Quando trabalhamos em palco é inevitável. Durante concertos, é sempre um momento bastante tenso e engraçado quando se partem as cordas dos instrumentos. O barulho é assustador e, como estamos focados na música, o susto é ainda maior. Mas não há grandes problemas, temos sempre cordas suplentes, já que isso pode acontecer por causa do calor e do frio. Também como viajo muito, é sempre um momento engraçado quando embarco nos aviões e as pessoas ficam sempre muito intrigadas com o objeto volumoso que levo comigo. Compro sempre dois bilhetes, um para mim e outro para o violoncelo. Um vez, uma companhia estava a oferecer uma bebida grátis a cada passageiro e consegui ter direito a duas bebidas por causa do violoncelo. Uma das histórias mais engraçadas aconteceu no Porto quando estava a sair do metro e levava o instrumento às costas. Naturalmente, um miúdo perguntou à mãe o que era aquilo e a mãe muito calma, disse apenas: ‘É um piano filho’. Já aconteceu terem confundido com muitos instrumentos, mas um piano foi a única vez.
Dentro da loucura da música e das viagens constantes, como é que nasceu a ideia de criar um festival de violoncelo, em Coimbra?
Este projeto nasceu num momento de frustração devido à pandemia. Deixei de fazer concertos e o mundo parou, literalmente. Um dia, já estava cansado de tocar em frente ao espelho e para os vizinhos e decidi criar um pequeno ciclo de concertos, em Coimbra. Queria experimentar levar a música a espaços que não eram utilizados para esse efeito e ver como as pessoas reagiam. O objetivo principal é que o violoncelo fosse a estrela e mostrar que não serve apenas para música clássica.
Além do violoncelo, qual é a grande particularidade deste festival?
Este ano, temos a novidade das palestras online direcionadas para os jovens, profissionais ou futuros profissionais da área. Iremos abordar os planos de carreira e empreendedorismo rural, como prevenir certas lesões e, ainda, como entrar neste mundo. A verdade é que a música é uma área bastante competitiva, há 100 pessoas a concorrer apenas para um lugar e, por isso, é importante explicar o processo de entrada numa orquestra. O meu grande objetivo é tornar Coimbra numa cidade cultural e o centro do violoncelo, em Portugal. Esse potencial existe, basta ser explorado.
Quais são os seus planos para o futuro?
Nos últimos anos, apercebi-me que também gosto da faceta de organização de pequenos concertos e queria continuar a apostar nisso. Quem sabe, especializar-me em gestão cultural que me permite evoluir na produção e direção artística. Além da música, é uma parte mais social e política. Sou uma pessoa bastante sociável e enquanto músico que já experienciou grandes projetos em outros países, sinto que também é o meu papel contribuir para a evolução em Portugal, nesse sentido. Não vou morrer sem ver Coimbra como um centro cultural associado ao violoncelo, nacional e internacionalmente, como Amesterdão, por exemplo.
Carregue na galeria para conhecer as passadas edições do Corda Cello Festival em Coimbra.