Atualmente com 46 anos, Rafael Vieira já soma duas décadas de carreira na arquitetura, tendo trabalhado em diversos países europeus, como Itália, Bélgica, Espanha e Luxemburgo. Paralelamente à atividade principal, colaborou em projetos jornalísticos ligados ao setor. Numa dessas reportagens, em 2021, conheceu a Letreiro Galeria, em Lisboa, uma iniciativa que se dedica a preservar a memória urbana através da recuperação de antigos reclames que, em tempos, identificavam o comércio tradicional.
Entretanto, regressou a Coimbra e foi desafiado a replicar essa ideia na cidade onde nasceu. Aceitou a proposta e arrancou com o projeto Tipos de Coimbra, nome que remete para o universo da tipografia. Começou de forma discreta, abordando os donos de letreiros esquecidos. “No início, sentia algum receio de não ser compreendido pelas pessoas que contactava, mas fui aprendendo a explicar a iniciativa, que não tem qualquer objetivo comercial”, partilha. O primeiro letreiro chegou em 2023, proveniente da Ervanária Flora Santa Isabel, situada na Alta de Coimbra.
Desde então, a coleção não parou de crescer e, atualmente, reúne cerca de 43 exemplares. “A minha missão passa por identificar reclames em risco, seja porque o prédio vai ser alvo de obras, seja devido à degradação natural”, explica Rafael. O processo de recolha implica um trabalho persistente de localização dos proprietários e diálogo com os mesmos. “Recorro a várias estratégias: deixo cartas nas caixas de correio, converso com vizinhos, procuro familiares, faço tudo para conseguir chegar até eles”, esclarece.
O maior entrave, segundo o arquiteto, é o receio de que possa obter algum ganho financeiro com os reclames. “Os donos pensam que vou lucrar, que posso vender até a estrutura metálica. Porém, o meu único interesse é salvaguardar estes elementos do património gráfico local”, sublinha.
Todos os encargos relacionados com a retirada, reparação, transporte e armazenamento das peças são assumidos por Rafael. Já para a recuperação das peças, conta com conselhos do projeto lisboeta e de outro existente em Braga. A parte elétrica é tratada por empresas de Coimbra, enquanto o vidro segue para Aveiro, onde é intervencionado recorrendo a “métodos e técnicas artesanais já raramente utilizados noutras regiões do País”.

O envolvimento da comunidade é fundamental, sendo frequente recorrer a campanhas de crowdfunding para financiar a atividade do Tipos de Coimbra. “Recuperar tudo sozinho é uma tarefa difícil”, admite. “Sou, acima de tudo, um intermediário, um mediador. Depois de garantir o reclame, dedico-me à sua preservação, contacto empresas e organizo o transporte”, refere. O objetivo final é que cada letreiro possa integrar um futuro núcleo museológico.
Neste momento, o letreiro “Festa Feliz – Realização de Festas, Lda.”, com quarenta anos, encontra-se exposto no foyer do Teatro Académico Gil Vicente (TAGV), onde permanecerá até ao final de julho. Em setembro, será substituído por um anúncio da Confeitaria Conímbriga, pastelaria emblemática do Calhabé já encerrada, restaurada graças a donativos num valor total de 1.600€.
“Procuro sempre que estas iniciativas dialoguem com as pessoas, que lhes despertem memórias sobre a cidade”, sublinha Rafael. Para incentivar a participação, o Tipos de Coimbra lançou um desafio, nas redes sociais: até 30 de junho, quem encontrar o maior número de azulejos originais da “Cooperativa de Habitação Tenho Uma Casa”, que se encontram espalhados por várias fachadas, poderá ganhar uma de três réplicas.
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O próximo objetivo do projeto passa por assegurar um local para exposição permanente dos antigos reclames, onde, além das peças, exista informação sobre os processos de fabrico e composição, bem como um enquadramento emocional, incluindo a história do negócio, a localização original e o nome dos doadores.
“Os letreiros das lojas são recordados com ternura por quem os via, por exemplo, na juventude. Considero fundamental dar esse contexto. Para quem oferece cada peça, é igualmente importante ver o seu nome associado e sentir que ajudou a preservar a memória da cidade. Não faço isto para mim, faço-o para todos”, conclui.
Carregue na galeria para conhecer alguns dos letreiros já recuperados e restaurados por Rafael Vieira.