Durante anos, Belle Gibson foi um símbolo de esperança para milhares de doentes com cancro. Jovem, carismática e com uma história de superação, afirmava ter vencido um tumor cerebral terminal apenas com alimentação saudável e tratamentos naturais. Mas havia um problema: tudo não passava de uma mentira.
O que começou como uma história inspiradora tornou-se num dos maiores escândalos do mundo digital. Gibson não só enganou os seus seguidores como prometeu doações a instituições de caridade que nunca chegaram a receber um cêntimo. A farsa durou anos, até que dois jornalistas decidiram ir atrás da verdade. Agora, a ascensão e queda da influenciadora chegou à Netflix na série “Vinagre de Sidra”, que estreou esta quinta-feira, 6 de fevereiro, na plataforma de streaming. Baseados no livro de investigação “The Woman Who Fooled the World”, publicado em 2017, os seis episódios, protagonizados por Kaitlyn Dever, exploram o fascínio pela fama online e as suas consequências.
Belle Gibson nasceu em outubro de 1991, em Launceston, na Tasmânia, Austrália — embora tenha evitado perguntas sobre a sua idade ou até mentido sobre ela nas redes sociais. Sempre afirmou ter tido uma infância difícil, sem nunca ter conhecido o pai e sendo que desde cedo ficou responsável pelos cuidados do irmão autista e da mãe que sofria de esclerose múltipla. Acabou por abandonar a escola secundária e mudou-se para Perth com apenas 17 anos.
Em 2009 tornou-se mãe solteira do seu filho, Oliver. Poucos anos depois, já na década de 2010, começou a ganhar fama nas redes sociais como influencer de bem-estar. Nas partilhas diárias, alegava ter vencido um cancro cerebral terminal através da alimentação saudável e tratamentos naturais, sem recorrer a quimioterapia ou radioterapia. Também afirmou ter sido submetida a várias cirurgias ao coração, sofrido um AVC e que o cancro se tinha espalhado para o sangue, baço, útero e fígado em julho de 2014. No entanto, um neurocirurgião de Melbourne disse ao “The Sydney Morning Herald”, naquele mesmo ano, que essa propagação era extremamente improvável.
Além de partilhar a sua jornada nas redes sociais, Gibson criou uma conta popular no Instagram, que chegou a ter mais de 300 mil seguidores. Em 2014, lançou a The Whole Pantry, uma aplicação que chegou ao top das lojas digitais onde promovia os seus métodos de tratamento alternativos e publicou um livro de receitas com o mesmo nome. Durante este tempo, deu esperança a muitos doentes com cancro e às suas famílias, prometendo ainda doar parte dos lucros a instituições de caridade.
Como o esquema foi desmascarado
Em 2015, os jornalistas Nick Toscano e Beau Donelly, do “The Age”, receberam uma informação privilegiada do editor: uma amiga de Gibson, Chanelle McAuliffe, acreditava que a influencer tinha inventado o diagnóstico. Na primeira chamada entre Donelly e McAuliffe, que durou cerca de uma hora, a mulher contou que Gibson fingiu ter um ataque epilético na festa do quarto aniversário do filho. Quando perceberam que estava a fingir, os amigos confrontaram-na e pediram-lhe para mostrar os registos médicos, mas recusou-se.
“No início da chamada, estava bastante cético e até um pouco descrente em relação às acusações da Chanelle, mas no final fiquei completamente fascinado com o que ela dizia”, revelou Donelly ao podcast “The Morning Edition” em fevereiro deste ano. “A primeira coisa que fiz foi ir ao Instagram e ver o que a Belle Gibson estava a publicar. Rapidamente percebi que tudo, incluindo as suas alegações de saúde, era muito vago, inconsistente ou simplesmente implausível.”
Sem depoimentos em público de amigos ou familiares, Toscano e Donelly decidiram focar-se noutra questão: as alegações de Gibson sobre as doações a instituições de caridade. Depois de contactarem várias associações para as quais Gibson dizia ter contribuído, muitas responderam que nunca tinham recebido qualquer donativo. Quando os jornalistas a confrontaram diretamente, ela culpou os problemas financeiros e garantiu que quando tivesse mais dinheiro, iria doá-lo. Esse dia nunca chegou. O artigo que desmascarou a influencer foi publicado em março de 2015, e, apesar de Gibson negar as acusações, a sua reputação rapidamente começou a desmoronar-se.
A confissão
Apenas um mês depois, em abril, Gibson, então com 23 anos, deu uma entrevista à “Australian Women’s Weekly” e admitiu que nunca teve qualquer tipo de cancro. “Nada disto é verdade”, confessou. “Não quero perdão. Apenas sinto que falar foi a coisa mais responsável a fazer. Acima de tudo, gostava que as pessoas dissessem: ‘Ok, ela é humana. Teve uma vida difícil. Pelo menos veio a público admitir os seus erros e agora é tempo de crescer e seguir em frente’.”
No entanto, Gibson negou ter mentido deliberadamente sobre o diagnóstico e afirmou que dois homens — cujas identidades nunca revelou — lhe disseram que tinha cancro. “A minha vida tem tantas complexidades que é mais fácil assumir que estou a mentir”, declarou.
Mais tarde, numa entrevista televisiva ao “60 Minutes Australia”, continuou a defender-se, afirmando que nunca teve intenção de enganar ninguém. Disse ainda que estava prestes a contar a verdade quando os meios de comunicação começaram a questionar a sua história. “Assim que comecei a perceber qual era a realidade e recebi a confirmação definitiva de que não tinha cancro, tive de lidar com isso sozinha. Foi um processo difícil”, explicou à jornalista Tara Brown. “Tive de fazer o luto porque percebi que tinha sido enganada e que tinham brincado comigo. Foi algo muito difícil de assimilar.”
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