Alice Santos tem 22 anos, é criadora de conteúdos digitais, modelo e este domingo acrescentou mais um cargo ao currículo: candidata mais polémica do novo reality show da TVI. Na apresentação de “Triângulo”, no domingo, 26 de fevereiro, afirmou que só come produtos biológicos e que na sua alimentação “não entram ‘processed food’ nem laticínios”. Os medicamentos são um “big no”, assim como os médicos.
Há cerca de dois anos no TikTok, a jovem natural da Parede começou por partilhar aquilo de que se está à espera num dos muitos perfis dedicados ao fitness. Receitas de smoothies — jura a pés juntos que os seus “green smoothies” diários são a fonte da sua saúde —, dicas de exercícios e muitos conselhos.
No entanto, o que destaca a criadora de conteúdos das demais nesta rede social é a sua opinião bem vincada sobre a medicina tradicional, a nutrição e os medicamentos. Alice não é, orgulhosamente, vacinada contra a Covid-19 e para ela a depressão não existe.
As ideias e posições polémicas de Alice chegam a milhares de portugueses através das redes sociais e, neste momento, estão a ser ainda mais ampliadas graças ao novo programa da TVI. Este foi o pretexto para a NiT falar com profissionais de saúde e desconstruir de forma científica e objetiva os argumentos da concorrente.
“Os anti-depressivos deviam ser proibidos”
“Não há nada melhor do que exercitar, ter uma boa nutrição e apanhar sol. É o melhor antidepressivo que se pode tomar”, explica Alice Santos, antes de frisar que “não devia ser permitido” receitá-los. “Ainda fazem pior. O que se deve fazer, primeiro de tudo, é focar-se na nutrição (…) que é possivelmente a razão pela qual as pessoas têm depressões.”
Afirmações que os profissionais de saúde desmentem enquanto fazem o esforço de explicar a importância da informação. “É tão importante falar sobre doença mental como é importante banalizá-la. A depressão e a ansiedade não são estados de espírito, nem são fenómenos de um único dia”, começa por dizer à NiT a psiquiatra Maria Moreno. E acrescenta: “O preconceito vende e o não consensual facilmente se torna viral.”
Ao contrário da tristeza, a depressão é uma doença com vários sinais e sintomas. Surge por vezes sem motivo e persiste. “A tristeza passa com uma saída com amigos, fazer exercício, ir jantar fora ou apanhar sol. Se sofrermos desta doença já não somos capazes de apreciar aquilo que antes nos dava prazer. É uma patologia e, como tal, precisa de tratamento”, afirma categoricamente a especialista em saúde mental.
“Existem várias práticas que podemos incluir no dia-a-dia de modo a melhorar a nossa higiene em termos de saúde mental e diminuir a probabilidade de doença. Mas não vamos confundir prevenção da doença com tratamento da mesma”, explica à NiT a médica. Quando existe depressão, é necessário que seja prescrito uma terapêutica estruturada e especializada, sob pena de não desaparecer ou tornar-se recorrente.
A regra é: quanto mais cedo, melhor. Por vezes, a psicoterapia basta mas, quando já existe um desequilíbrio químico, só essa opção não chega, “é mesmo preciso repor o equilíbrio químico com medicação”. “Uma medicação que é eficaz, é segura, não causa dependência e não tem efeitos secundários na maioria das situações”, garante a psiquiatra.
“Os produtos biológicos são os melhores”
A alimentação de Alice Santos baseia-se em produtos biológicos e ditos saudáveis. Num dos seus vídeos afirma que bebe green smoothies todos os dias e nunca toma medicamentos, mesmo quando está doente e, da mesma forma, evita os médicos a 100 por cento. O segredo, segundo a jovem de 22 anos, está na sua alimentação.
“A probabilidade de um jovem ficar doente é inequivocamente menor do que uma pessoa com mais idade”, explica à NiT Ana Isabel Pedroso, especialista de medicina interna no Hospital Lusíadas, enquanto desconstrói a ideia da criadora de conteúdos. “A Medicina Preventiva baseia-se em prevenir a doença, o que implica ir com regularidade ao médico assistente para avaliações periódicas”, acrescenta.
Uma ideia corroborada pela colega Inês Espiga de Macedo, médica de saúde geral e familiar, que assume que parece haver alguma “desinformação” no que diz respeito às consultas médicas e à prevenção em saúde. “O objetivo principal é sempre evitar o aparecimento de doenças a médio/longo prazo, através da vigilância de fatores de risco.”
Ana Isabel Pedroso vai mais longe: “A medicina vai muito além dos alimentos e medicamentos, reduzi-la a isto para além de redutor revela pura ignorância.”
Opiniões que descredibilizam a jovem e que se vêm juntar a mais uma. Afinal, o género de alimentos que a modelo garante que são os melhores para a saúde, não são assim tão diferentes dos tradicionais. Segundo a nutricionista Daniela Duarte, “não existe ainda muita evidencia que os produtos biológicos são nutricionalmente mais ricos do que um produto da agricultura convencional.”
No entanto, a especialista em nutrição sublinha que por toda a sua política de sustentabilidade e por muitas vezes o sabor ser reportado como “melhor e mais verdadeiro”, podem fazer parte da nossa alimentação.