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Luís é o segundo melhor trompetista do mundo — e vai tocar num filme de Hollywood

O jovem da Mealhada superou várias adversidades para conseguir viver da música. Recebeu até uma distinção da Rainha Isabel II.
É um sucesso internacional.

“Puto, toca poucas notas, mas boas.” Esta foi uma das maiores lições que Luís Martelo aprendeu com Fernando Vidal. O músico conheceu o mentor quando tinha apenas 11 anos. Natural de Barcouço, na Mealhada, tocou pela primeira vez com o trompetista quando este assumiu a banda filarmónica da terra. “Incentivou-me a tocar trompete e pôs-me a ouvir as cassetes do Louis Armstrong”, conta.

Vidal morreu há dois anos, mas o músico de 34 anos continua a considerá-lo uma figura paternal. “Será sempre a minha grande inspiração”, afirma. Foi um substituto do seu pai verdadeiro, com o qual tinha uma relação tóxica e marcada pelas agressões. O único desejo do trompetista era poder sair de casa à procura de uma vida melhor.

Foi por isso que, quando tinha 17 anos — e já com muita experiência — entrou para Banda Militar de Queluz. Mas esta estava sobrelotada, o que significava não o podiam manter, visto que mandavam embora os mais novos. Partiu, então, para a tropa em Évora, mas não era isso que queria fazer da vida. A partir dessa altura “as coisas descarrilaram”.

“Nunca tinha tido o meu próprio dinheiro. Quando o ordenado caía, gastava-o em dois ou três dias nas noitadas, onde também me metia em confusões e brigas. O meu psicológico começou a piorar”, recorda. Decidiu mudar-se para Milfontes, no Algarve, mas como não encontrou casa começou a viver na rua.

Viu-se obrigado a vender o trompete por 280€ (embora valesse cerca de 1.500€) e sobrevivia graças à comida que lhe davam e aos peixes e moluscos que pescava ou apanhava. Esteve nesta situação precária de sem-abrigo (dormia em locais abandonados ou em dunas) entre agosto de 2010 e setembro de 2014.

As coisas começaram a melhorar quando uns amigos para os quais fazia uns biscates (em discotecas) o surpreenderam com um bilhete para o Reino Unido, aquele que era o seu destino de sonho. Arranjou trabalho num restaurante de Londres, arrendou o seu próprio apartamento — no início dormia no chão do quarto de um amigo — e, quando se casou, em 2018, foi para Bristol, um local mais calmo para criar a família.

Aquela cidade trouxe-lhe de volta o amor que tinha pela música. Por “pura brincadeira” comprou um trompete, candidatou-se à orquestra local e foi aceite. “Para mim, isto foi um grande milagre”, recorda.

O sucesso no Reino Unido

Volvidos dois anos, Luís Martelo tornou-se viral no Reino Unido. Estávamos em plena pandemia, e o artista sabia que os britânicos mereciam um agradecimento pela forma como o tinham recebido e acolhido. Inspirado pelas serenatas de Coimbra, pegou num altifalante portátil, num trompete e foi tocar para a porta de hospitais e lares. “A BBC veio fazer uma reportagem comigo e a iniciativa foi um enorme sucesso. Começaram a conhecer-me e a contratar-me, e foi aí que as coisas finalmente voltaram a levantar”, comenta.

Nos finais de 2021, recebeu uma distinção da Rainha Isabel II graças ao seu “serviço à comunidade”. A Câmara Municipal da Mealhada também já lhe atribuiu uma medalha de mérito cultural.

Atualmente, vive inteiramente da música, aquele que sempre foi o seu grande sonho. Tem o seu próprio álbum com alguns originais, chamado “Quarentemas”. Ali, os temas têm melodias que o artista criou quando era miúdo, quando se isolava do mundo no seu quarto — para fugir a uma vida familiar complicada devido ao pai abusivo.

Criou ainda o seu próprio grupo, chamado Luís Martelo And His Band. O quinteto conta, além do trompete, com bateria, piano, baixo e guitarra. Todos eles são britânicos, à excessão do guitarrista que é originalmente da Colômbia.

“Comecei a fazer gravações em estúdio com vários artistas. Quando surgiu a necessidade, por demanda, de criar o meu próprio conjunto, chamei o que seria a minha seleção dos melhores com quem me cruzei. Tocamos juntos desde 2021”, revela. O seu grande plano é ter uma equipa ainda maior, com 16 elementos.

Continua, contudo, a fazer apresentações sozinho em diferentes ocasiões. A solo já atuou em destinos como Portugal, Escócia, Inglaterra, Gales, Luxemburgo, Suíça, Alemanha, Espanha, Croácia e, este ano, está a planear ir ao Canadá. “Os Estados Unidos são o meu grande objetivo”, confessa.

Apresenta os seus temas e composições em todo o lado. No fundo, sempre que tenha uma oportunidade, agarra-a. “Já estive em grandes salas como o Fórum Lisboa, o Centro de Artes e Espetáculos da Figueira da Foz, e em hotéis de cinco estrelas, como o The Cliff Bay no Funchal ou o Castle Hotel em Taunton, Inglaterra.” Restaurantes e teatros são outros dos spots para onde leva música. “Quando tenho tempo para dar à comunidade, vou para hospitais, lares e até para a rua”.

Um projeto em Hollywood

Em 2020, após a sua história se tornar viral, Luís foi contactado por Scott Fivelson, um produtor de Hollywood que realizou “Near Myth: The Oscar Knight Story”, que conta com Joaquim de Almeida no elenco.

O cineasta tinha uma ideia para um tema de um filme ainda em produção. “Queria retratar uma corrida pelo meio de Nova Iorque num Uber e no meio do trânsito. Queria um tema energético, feliz e meio caótico”, recorda. Em mente tinha já uma melodia que apresentou ao músico. Luís pegou nessa ideia, deu-lhe o seu próprio cunho, criou o arranjo, montou uma equipa e assim nasceu “Uber Time”, que já está disponível nas plataformas digitais, como o Spotify.

O segundo melhor trompetista do mundo

Por quatro anos consecutivos, ou seja, desde 2020, que os Global Music Awards o consideram o segundo melhor trompetista do mundo, uma distinção que, para ele, é uma grande honra — mas que muitas vezes é mal entendida nas redes sociais.

“Existem os Grammys, que é para os grandes artistas e para as lendas, quase como se fosse a Liga dos Campeões. E depois temos esta gala, que é mais focada nos músicos independentes, e é aí que eu estou identificado”, realça. Está ciente de que existem muitos outros bons performers em Portugal e no mundo, mas para se candidatarem à estatueta é necessário que tenham música original gravada, um requisito à qual muitos não correspondem.

Tal como o próprio assume, trabalha arduamente na sua arte. “Tenho concertos quase todos os dias com o meu próprio nome. Mas sei que para uns vou ser o melhor do mundo e, para outros, o pior”, lamenta. Acrescenta que, quando toca, sente-se a dor do seu passado. Para os seus fãs, é isso que faz com que se destaque. E nunca esquece quem o incentivou a chegar onde está — em todas as atuações utiliza o trompete que lhe foi dado por Fernando Vidal.

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