Quando se conhece a obra de um artista, escapam-nos, muitas vezes, as camadas do processo criativo. Tentámos desvendar esse mistério onde os silêncios e os impulsos coexistem como lava de uma erupção. Tentámos reter esse processo, compreender a obra de Juan Domingues. As mãos do pintor são os olhos que riscam, pintam e que surpreendem os que se deixam emocionar pelos seus momentos de prazer, dor ou melancolia.
O artista visual, Juan Domingues, 41 anos, nascido em Puerto Cabello, na Venezuela, filho de pais emigrantes portugueses que regressaram ao nosso País no final da década de 1980, atualmente é um dos pintores mais versáteis da sua geração. Vive em Cantanhede, mas foi em Coimbra, em 2007, que concluiu o curso de Licenciatura em Pintura. Dois anos depois iniciava a sua carreira profissional com a primeira exposição individual.
Juan Domingues conta à New in Coimbra que ultimamente está a trabalhar em três temas simultaneamente: na obra de José Saramago; no espaço público e, por último, na sua próxima exposição individual. “Sou exigente com o processo criativo. Projeto-me no papel e na tela de forma caligráfica, gestual e intelectual no desenho e na pintura, aproveitando-me de todas as minhas limitações. Acredito que para viver, tal como trato as minhas hipóteses gráficas, metaforicamente, é preciso queimar para que surja a possibilidade de algo melhor crescer naquele espaço que não permite mais”, acrescenta o artista.
O desenho de Juan Domingues ilustrou o livro “A Máquina de Fazer Espanhóis”, de Valter Hugo Mãe. Ele conta que fazer parte desse projeto foi um enorme desafio. “Os lares que visitei impressionaram-me muito, fi-lo para sentir como a personagem principal do livro. Tornei-me naquela pessoa inventada pelo Valter Hugo Mãe. Ainda hoje me arrepio quando me recalco em relação a esses desenhos e pinturas que surgiram para o livro e para a exposição na Zet Gallery em Braga”, relembra. Segundo Juan, era necessário expor as suas hipóteses e desafiar o público para a sensibilidade do tema, da narrativa e para a escala das obras que só fariam sentido em exposição.
É natural que o artista se inspire em pessoas igualmente artistas. Para Juan, o pintor Gil Maia é, talvez, a sua maior inspiração, bem como o escultor Pedro Figueiredo. “São dois amigos que me acompanham há mais de uma década. Obviamente que os quinhentistas são a minha estrutura de saber fazer difícil e bem. Miguelangelo, Velazques, Rubens, Rembrandt, Turner que escreveram “o livro” como desenhar e pintar, no entanto, não conseguiria fazer sem a proximidade dos amigos artistas, tanto da expressão pelas artes plásticas como pela expressão por outras áreas paralelas”, confessa.
No próximo ano, Juan prepara uma exposição que celebra o centenário de nascimento de José Saramago, a convite de Agostinho Santos, diretor da Bienal de Gaia. “É uma entre várias exposições que têm acontecido ao longo deste ano ao qual me sinto muito honrado. A minha abordagem em relação a este tema tem como base a obra poética de Saramago. É natural que as obras que irei apresentar sejam sobre a minha perceção do Nobel, será como um diálogo poético entre mim e Saramago, entre a poesia literária e a poesia gráfica.”
As obras do artista venezuelano fazem parte de galerias e exposições em diversas partes do mundo, mas há, ainda, um certo estranhamento que o artista reconhece quando confrontado com essa realidade. “Tenho por hábito duvidar se fui eu mesmo que os criei. Deixo-me estar a fruir da minha criação. Houve uma altura em que me traduzia, pelo desenho e pela pintura, numa relação espelhada entre os retratos que surgiam no meu inconsciente e pela intuição. Estava muito obcecado pela ‘Totalidade e Infinito’ de Emmanuel Levinas, tanto como pelo livro ‘Picture of Dorian Gray’ de Oscar Wilde. Nessa altura, o jazz era o meu ritmo. Coltraine e a melancolia de Chet Baker eram a minha companhia no processo de criação e tenho uma grande vontade de voltar a viajar por esse caminho novamente.”
A sensibilidade move o homem em vários momentos importantes, a inspiração não é mecânica e alimenta-se do intelectual, garante Juan. “Trabalho temas que me confrontem e que me anulem a vontade de dormir. Procuro ser autêntico, mas não especial ou diferenciado dos outros artistas. Vejo todos os artistas como criadores de hipóteses e, para mim, são todas válidas desde que tenham história. No entanto, há momentos em que o silêncio absoluto e o isolamento social é para mim fundamental para que consiga aceitar a obra.”
O artista está sempre em construção, é crítico em relação ao seu trabalho, dedica a vida toda a ler muito e estar atento em relação ao espaço, mas nem tudo o que cria é considerado válido. No entanto, a escuta atenta ao seu trabalho é fundamental para evoluir. “Acredito que há em mim uma noção sobre a arte e o artista que fui maturando e adaptando ao longo do tempo. Julgo que estou sempre a começar”, conclui Juan Domingues.
O seu exímio traço converte o retrato numa fotografia realista, onde a emoção esculpe a anatomia, deixando-nos sem respiração e em busca desse instante que queremos perpetuar em cada obra. Juan é um grande pintor, um artista diferente e que soube ousar onde tudo parecia inventado. As suas referências literárias completam as suas criações.