cultura

Fui ao casting de sonho dos “Morangos Com Açúcar” e saí de lá deprimido (não fiquei)

O processo de seleção aconteceu este sábado, 11 de fevereiro, em Lisboa. Um repórter da NiT infiltrou-se e conta-lhe tudo.
Foi um dia atípico.

Eram cinco da manhã quando o despertador tocou, e honestamente, não me lembro da última vez que acordei tão cedo. Levantei-me com sono e sem vontade de enfrentar o frio que me esperava lá fora — estavam quatro graus, uma temperatura que pouco tinha a ver com aquilo que me esperava: o casting para a nova temporada do fenómeno nacional “Morangos com Açúcar“. O processo de seleção decorreu este sábado, 11 de fevereiro, e decidi concorrer à paisana. Infiltrei-me para vos contar tudo (e para tentar a minha sorte, admito).

Quando era miúdo sonhava ser ator. Sempre gostei de atenção e parecia-me a profissão ideal para garantir que a recebia. No sétimo ano interpretei a personagem principal numa adaptação teatral de “Um Conto de Natal”, de Charles Dickens. Recebi vários elogios, mas tratava-se de uma peça escolar onde — os meus colegas que me desculpem — o talento era muito limitado, incluindo o meu. E depois deste casting posso afirmar com segurança que não serei o próximo Tom Hanks.

Os testes aos eventuais novos membros do elenco dos “Morangos com Açúcar”, uma coprodução da TVI e da Amazon Prime Video, começaram pelas 8 da manhã e tinham o fim marcado para as 18 horas. O futuro de muitos aspirantes a atores foi decidido no PT Meeting Center (situado no recinto da FIL, no Parque das Nações), em Lisboa.

A espera interminável

Cheguei ao Parque das Nações pelas 6h30, com o céu ainda escuro e pouco movimento nas ruas (algo normal para um sábado). A azáfama concentrava-se à entrada do recinto, onde encontrei uma longa fila. Na verdade, algumas pessoas estavam lá desde as 19 horas do dia anterior. Dormiram em tendas para serem as primeiras a participarem no recrutamento. Embora não estivesse surpreendido, o cenário que encontrei não era propriamente apelativo. Nada que me desmotivasse, afinal a espera tinha tudo para valer a pena. Pensava eu.

Uma hora depois, já havia o bulício típico de um bairro de Lisboa. Os carros começavam a circular por ali e, por alguma razão que me é alheia (biologia nunca foi a minha especialidade), um bando de gaivotas sobrevoavam os aspirantes a atores. A fila à minha frente era longa, sim, mas não se comparava àquela que se ia formando atrás de mim.

Milhares de jovens acorreram à chamada, sonhando virem a ser o próximo “moranguito”. Era o caso de Mariana, de 21 anos, que veio de Oeiras tentar a sua sorte. “Cresci a ver as últimas temporadas dos ‘Morangos com Açúcar'”, contou. A sétima temporada, protagonizada por Lourenço Ortigão e Sara Matos, é a sua favorita. “Gostava muito do Rui e da Margarida, e também adorava os momentos musicais”, explicou. No entanto, tal como muitos outros fãs, não gostou de “Morangos com Açúcar — O Filme“, que estreou em 2012.

Pelas 8h30, 60 jovens já tinham feito o teste, e a esperança no ar era quase palpável. “Disseram-nos para termos calma e sermos nós mesmos, porque temos o que é preciso cá dentro”, ouviu-se entre um grupo de jovens que obtiveram a informação privilegiada de um amigo que já tinha concluído o processo. A partir daqui começaram a circular os primeiros rumores sobre o que se ia passando lá dentro, que mais tarde comprovei serem verdadeiros. “Dão um cartão dourado a quem passa à próxima fase”, diziam.

Como seria de calcular, a longa espera foi a pior parte, especialmente porque as opções de entretenimento eram limitadas. Para ter algo para me distrair  — e não stressar com o casting — comecei a assinalar quantas pessoas passavam com copos do Starbucks na mão. Entre as 9h45 e 10h20 contei 23. Para não perder o lugar, Joana (outra candidata a “moranguita”) até mandou vir um caramel macchiato pela Uber Eats.

A fila ia avançando lentamente e foram passando por nós algumas caras conhecidas, nomeadamente o apresentador Zé Lopes (que desejou boa sorte a todos) e a influenciadora La Vie de Marie. Embora o ambiente fosse sendo vagamente animado pelas músicas dos D’ZRT que se iam ouvindo, alguns jovens estavam visivelmente desiludidos. Não por terem sido recusados, mas por não terem tido oportunidade de fazerem o teste. É o caso de Artur, de 23 anos — celebrados há dois meses —, e Francisca, de 17, que fará 18 daqui a seis dias. As regras, porém, eram claras: apenas seriam aceites jovens entre os 18 e 22 anos. “Acho isto uma parvoíce”, afirmou a adolescente.

Tinha a sensação que os minutos se arrastavam, e eram exatamente 10h39 quando recebi o autocolante com o meu número: 906. Sim, cheguei às 6h30, e já tinha 905 pessoas à frente. Entrei no edifício pelas 13h30, e após ter recebido o meu número, só me lembro de duas ou três coisas (estava uma pilha de nervos). Zé Lopes entrevistou o diretor da TVI, José Eduardo Moniz, celebrou-se a chegada do milésimo participante e alguns jovens elogiaram “o cheiro agradável a erva” que se sentia no ar. Pouco antes de chegar a minha vez, entrou na fila a última esperançosa do dia: a candidata que ficou com o número 2000.

O casting

Mal entrámos no PT Meeting Center fomos logo informados que não poderíamos tirar fotografias, filmar, nem aceder às redes sociais dentro do espaço, algo que todos mostraram respeitar. Depois de preenchermos uma folha com informações como nome, morada, email, NIF e números de cartão de cidadão e telemóvel, fomos divididos em pares e levados para uma sala de espera onde aproveitámos para treinar os diálogos.

Comigo ficou uma jovem que já participou em curtas-metragens universitárias, tirou um curso de representação de 10 meses e continua a estudar para ser atriz. Estava nervosa e creio que piorei a situação quando lhe disse que não tenho qualquer formação e não representava há muito tempo — fora as cenas que faço entre amigos no dia-a-dia.

Confesso que apenas me lembro das minhas falas, não me preocupei em decorar as da minha parceira (não sei se isto é um “do” ou um “don’t” para um ator). Tivemos direito a um ensaio de 15 minutos antes de seremos chamados para o teste com a pessoa da equipa que nos avaliaria. Representámos numa sala forrada a madeira, onde apenas estava uma câmara e um homem sentado a uma secretária. Entre um candidato e outro, ia aproveitando para comer um hambúrguer. Não havia tempo a perder para conseguir avaliar todos os que formavam a extensa fila lá fora. Se antes de entrar na sala estava ligeiramente nervoso, ver aquele cenário ajudou-me a descontrair — especialmente porque a visão da comida afastou o stress (e fez-me perceber que estava a começar a ficar com fome).

Avançámos até às marcas cor de laranja no chão e representámos como se a nossa vida dependesse disso (se esse fosse realmente o caso, provavelmente não estaria aqui a escrever este artigo). As minhas falas eram bastante simples: “Já te disse que não tive nada que ver com o que aconteceu. Estava no sítio errado à hora errada”; “O que queres que te diga mais? É a minha palavra contra a do Afonso. Achas que vale a pena continuarmos com isto?”; e, por último, “Responde: achas que vale a pena? Estamos nisto há dias e ainda não chegámos a lado nenhum”. Ou seja, frases de um guião típico de uma série juvenil como “Morangos Com Açúcar” — embora não me recorde, é possível que até já tenham sido ditas na produção da TVI.

Assim que terminámos as nossas falas, o nosso (esfomeado) interlocutor perguntou-nos se tinha corrido tudo bem, e eu, com pouca noção do que é boa ou má representação, disse que sim. “Fiquem atentos aos vossos emails caso a produção entre em contacto”, afirmou. Dito assim, não parece que fomos descartados logo ali. No entanto, ambos percebemos o aquilo significava: “não, não passaram”.

Os selecionados para a próxima fase saíam deste primeiro teste de câmara, como já referi, com os tais cartões dourados (bem ao estilo do bilhete que deu ao miúdo Charlie a oportunidade de visitar a fábrica de chocolate de Willy Wonka). Confesso: este triste desfecho só tornou a experiência ainda mais deprimente. Quando nos lembramos dos “Morangos com Açúcar” pensamos nos corredores da escola cheios de animação, nas músicas aceleradas que ajudavam a fazer avançar a ação e, claro, nas férias de verão (— já disse que passei horas ao frio?).

O ambiente da série, os cenários para onde nos transportava, foi algo que faltou no casting. Muitos saíram de lá com os sonhos despedaçados (um resultado previsível) e umas fotografias com personagens das temporadas antigas, e, quem sabe, uma banca com merchandising da saga poderia ter ajudado a aliviar o embate com a realidade. Pelo menos, poderiam levar para casar um souvenir de um sábado passado de forma diferente.

Os mais talentosos (ou sortudos) saíram com o tal bilhete que lhes dá acesso à próxima fase da viagem com destino aos sets da produção. Já eu despedi-me do recinto pelas 14h15, de mãos a abanar, com uma enorme dor de costas (consequência das sete horas que passei em pé) e bastante deprimido. O facto de não ter sido revelado spoiler algum em relação ao novo capítulo também contribuiu para minha disposição. Em protesto, não pretendo comer morangos com açúcar nos próximos tempos.

Carregue na galeria e veja algumas imagens desta experiência.

ver galeria

MAIS HISTÓRIAS DE COIMBRA

AGENDA