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De vítima de revenge porn aos abusos. O passado traumático de Paris Hilton

A socialite foi ao podcast de Meghan Markle confessar-se. "Não sou uma loira burra. Sou é muito boa a fazer de conta que sou uma."
Foi a Kardashian dos anos 2000

Durante uma década, antes da era Kardashian, havia Paris Hilton. A herdeira milionária vestia-se como uma Barbie, passeava pequeninos cães com laçarotes e estava em tudo o que era programa, evento e até videoclipes de música. Entre comediantes, apresentadores de programas de late night e o grande público, a socialite era uma espécie de alvo de todas as piadas.

Hoje é uma mulher casada e, aos 41 anos, está mais adulta e menos visível. Hilton aproveitou para contar a sua história no mais recente episódio do famoso e polémico podcast de Meghan Markle. Curiosamente, as duas celebridades tinham algo em comum para discutir.

Markle, que no início da carreira foi assistente de um concurso televisivo onde o único requisito era a beleza, confessa ter-se sentido uma “bimbo”, uma espécie de boneca “que tinha apenas beleza e não necessariamente o cérebro a acompanhar”. Hilton confirmou que passou pelo mesmo trauma. Um que condiz com a redenção da sua imagem, sofrida nos últimos anos, sobretudo graças às suas confissões.

No podcast, Hilton explicou que a sua personalidade de “boneca Barbie” era falsa, totalmente construída para a ajudar a ultrapassar os anos traumáticos da adolescência — e não só. “Este episódio não serve como defesa da Paris. É a sua humanização”, notou Markle.

“O contexto pouco importa. Se és um rapaz ou uma rapariga de 16 anos, se és uma mulher no local de trabalho, se te sentes objetificada e desumanizada porque a tua personalidade é deturpada, o que espero é que toda a gente a ouça com uma mente aberta e pense bem nas coisas: ‘Devo parar por um momento e ter em consideração que se trata de uma pessoa?’”, explicou.

A perspetiva que o mundo tem de Hilton também mudou. Deixou de ser alvo de todas as piadas e, com essa mudança, veio uma visão mais focada na mulher que viu os seus vídeos íntimos espalhados na Internet para todo o mundo ver, da jovem que era ridicularizada em direto, dia sim, dia sim. O abuso era real, as marcas que ficaram também, mas só agora Hilton parece disposta a mostrá-las ao mundo.

Em 2020, fez uma revelação chocante. Na escola onde passou os anos de infância e adolescência, era vítima recorrente de abusos verbais, mentais e sexuais. “Foi a mais dolorosa e horrenda experiência da minha vida”, explicou a Markle. “Basicamente roubou-me a infância.”

O caso de Hilton não é o único a ser visto sob uma nova lente, duas décadas depois. “Enquanto cresci, no início dos anos 2000, os media trataram-me, a mim e à Britney [Spears] e a outras miúdas de forma injusta”, revelou ainda este ano ao “The Sun-Herald”. Muitas das questões colocadas às jovens em entrevistas tornaram-se virais e foram consideradas completamente desapropriadas, embora fossem vistas como algo normal à época.

“Acho que inventei esta personagem alegre estilo Barbie para não ter que pensar muito naquilo pelo que passei. Depois tornou-se numa espécie de imagem de marca e acabei por me tornar naquilo que criei, mas nunca fui assim”, referiu. “Sou, na verdade, uma pessoa tímida. Era apenas uma máscara, fazia de conta que era outra pessoa. Não sou uma loira burra. Sou é muito boa a fazer de conta que sou uma.”

A bisneta do fundador da cadeia de hotéis Hilton cresceu na riqueza, mas também no seio de uma família fria. Quando era criança, foi inscrita num colégio privado em regime de internato. Os abusos que sofreu ficaram escondidos até mais de duas décadas depois, quando sentiu finalmente que deveria contar tudo.

“Escondi a verdade durante tanto tempo”, contou à revista “People”. “Mas estou orgulhosa na mulher forte em que me tornei. As pessoas presumem que tudo na minha vida foi facilmente conquistado, mas quero mostrar-lhes quem realmente sou.”

Cresceu com os irmãos e os pais em Nova Iorque, onde vivia no luxuoso hotel Waldorf Astoria. O privilégio levou a que se tornasse numa rebelde. “Era tão fácil escapar e ir às discotecas e festas. Os meus pais eram tão rígidos que isso me tornou numa rebelde. Castigavam-me, tiravam-me o telemóvel, o cartão de crédito, mas nada funcionava.”

Essa rebeldia motivou a decisão dos pais de a mandarem para um colégio interno. “Devia ser uma escola normal, onde o foco seriam as aulas, mas não era nada disso. Desde que acordava até que me ia deitar, estavam sempre a gritar comigo, era uma tortura contínua.”

Passou apenas 11 meses na Provo Canyon School, no estado do Utah, mas foram suficientes para deixar marcas. “Diziam-me coisas terríveis. Estavam constantemente a fazer-me sentir mal comigo própria. O objetivo deles era quebrar-nos e, para isso, abusavam de nós fisicamente, batiam-nos, estrangulavam-nos. Queriam incutir nos medo, ao ponto de estarmos demasiado assustados para pensarmos sequer em desobedecer-lhes.”

Os relatos foram corroborados por outros ex-alunos, que descreveram cenários em que eram forçados a tomar medicação, por vezes de mãos atadas. Quem desobedecia, era colocado em salas de isolamento, por vezes durante períodos de mais de 20 horas por dia. “Sofria ataques de pânico diariamente. Sentia-me como uma prisioneira, odiava a minha vida. Era miserável.”

Os contactos com a família também eram escassos. “Falava com eles uma a duas vezes, a cada dois ou três meses. Estávamos isolados do mundo exterior”, recorda. Numa ocasião, tentou confessar os abusos, mas ninguém acreditou.

“Rasgavam as cartas que escrevíamos, tiravam-nos os telefones. Diziam que ninguém ia acreditar em nós e depois falavam com os pais diziam-lhes que nos estávamos a mentir. Os meus pais não sabiam nada do que se passava.” Quando completou 18 anos, deixou a escola e regressou a Nova Iorque, mas nunca contou a história a ninguém.

Acabaria por contar tudo num documentário lançado em 2021. Hoje, mais do que processar legalmente a escola, decidiu ser a voz de todos os que sofreram abusos nessa e noutras instituições. “Quero encerrar estes sítios. Quero que se responsabilizem. Quero ser a voz das crianças, agora adultos, que viveram experiências semelhantes.”

As experiências traumáticas não se ficariam por aí. À medida que se foi fazendo famosa, graças ao estatuto e à personagem que inventara, a rebeldia manteve-se viva. Lançou-se na televisão e rapidamente estava por todo o lado.

Infelizmente, em 2004, um escândalo viria a torná-la ainda mais famosa. A certa altura, um vídeo íntimo, gravado pelo namorado, onde surgia a ter relações sexuais, começou a espalhar-se pela Internet. Mais uma vez, em vez de uma reprovação geral, público e figuras públicas usaram o escândalo como pretexto para criar mais e mais piadas e anedotas. Hilton deixou-se levar e escondeu-se novamente atrás da máscara.

“Está sempre no fundo da minha mente”, revelou à “Vanity Fair” em 2021. “Quando isso aconteceu, as pessoas foram más. A forma como falavam sobre isso nos talk shows e nos media… Ver o efeito que isso teve na minha família partiu-me o coração. Chorava todos os dias, não queria sair de casa. Sentia que a minha vida tinha chegado ao fim.”

Hoje, diz, a partilha do vídeo íntimo por parte do então namorado Rick Salomon “seria considerada revenge porn”. É uma realidade para a qual os países e as suas legislações estão apenas agora a acordar e a castigar formalmente.

“Foi uma experiência privada entre duas pessoas. Quando amas alguém, quando confias, e vês a confiança traída daquela maneira, para todo o mundo ver… Foi ainda mais doloroso perceber que o fizeram propositadamente. Isso matou-me”, disse. “Foi como se tivesse sido violada.”

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