É caso para dizer que a voz não se mede aos palmos. Com 154 centímetros, Beatriz Villar, de 25 anos, canta o fado de Coimbra num meio onde imperam os homens. Esteve sempre ligada às artes e tudo começou no teatro. O que mais preza na música é o poder da palavra e brinda a canção de Coimbra com uma roupagem atual. Contudo, declara-se fã de pop e revela à New in Coimbra que o próximo grande projeto é produzir um disco com músicas originais. Nasceu em Faro e aos 17 meses conheceu aquela que viria a ser a sua verdadeira família, pela qual transborda um imenso carinho e amor.
E é com base no amor que tem transformado a sua vida, sem medo de arriscar e com força para lutar. Cresceu em Cantanhede e, aos cinco anos, entrou no teatro ocasionalmente. “Recordo-me que, uma tarde, depois de ter ido ao teatro com a minha mãe, estava a fazer os trabalhos de casa e ela questionou-me se eu queria ir. Como adorei, assumi que me estava a perguntar se queria voltar a assistir uma peça. Mas não, era mesmo se me queria inscrever no teatro. E assim foi. Acabei por ir e, ainda sem ler nem escrever, apenas a imitar a minha mãe, declamei um poema de Miguel Torga”, conta Beatriz Villar, relembrando também o dia em que recebeu um gira discos portátil, oferecido pelos pais, passando daí a diante a cantar músicas populares em todas as viagens de carro.
Mais tarde, acabou por mudar-se para a Figueira da Foz com a sua família, ingressando no Coro das Pequenas Vozes. Já no ensino secundário inscreveu-se no curso profissional de teatro do Colégio de São Teotónio, em Coimbra. “Foi precisamente aí que me apercebi que só me sentia realizada nos espetáculos em que havia bandas com música”, conta, adiantando que chegou a entrar no Conservatório de Música de Coimbra, mas a incompatibilidade dos horários não permitiu a sua continuação. Aos 18 anos, chegou o momento de escolher o curso na universidade, sem sequer imaginar que o seu início de carreira na música estaria mesmo à porta.
Voltou a tentar teatro na Escola Superior de Educação de Coimbra, mas não terminou. Até que decidiu ir para Leiria, estudar Serviço Social. Não se identificou com o curso, mas foi a participação na tuna Tum’Acanénica que a lançou para o universo musical: “Numa das apresentações atuei a solo e fui parar às mãos do mentor do grupo “Na Cor do Avesso”, Pedro Nuno Lopes, que viu um vídeo meu a cantar e convidou-me a fazer parte deste coletivo que dá voz à canção de Coimbra”, diz.
O curso já não lhe agradava, até que terminou o primeiro ano e congelou a matrícula. “Foi nessa altura que comecei a interessar-me pelo fado de Coimbra. Costumo dizer que o fado é que me escolheu, não fui eu que o escolhi”, avança. Como vocalista do grupo “Na Cor do Avesso” — vencedor do prémio Edmundo Bettencourt, em 2019, que visa galardoar os trabalhos sobre o fado de Coimbra em formato de disco — estreou-se no Convento São Francisco e pisou vários palcos.
Com a pandemia esse projeto ficou suspenso, mas o encontro mais bonito viria a acontecer depois. Conheceu Diogo Mendes, fundador da Escola de Fado de Coimbra e, de tanto gostarem do trabalho musical um do outro, começaram a trabalhar juntos na composição de temas. Mas a música acabou por unir uma bela história de amor e foi Diogo Mendes que desafiou a namorada a cantar o fado de Coimbra.
Participou no Got Talent Portugal, onde deu voz à música icónica da cidade com os temas “Asas Brancas” de Afonso de Sousa e “Trova do vento que passa” de Adriano Correia de Oliveira, tendo chegado à semifinal. “A experiência foi muito enriquecedora, tanto a nível pessoal como profissional. Tive muito medo da reação das pessoas. Até sair a primeira gravação só os meus pais e o Diogo é que sabiam. Depois, foi uma surpresa gigante. Nunca recebi mensagens a repreender, pelo contrário. E isso deu-me muito mais força para continuar e fazer coisas novas, daí ter idealizado o primeiro EP “Viragem””, conta.
O EP vai ser lançado em finais de novembro, ao contrário do que estava previsto (dia 28 de outubro) e estará disponível não só em formato físico, mas também em todas as plataformas digitais. O trabalho discográfico a solo vai acolher o single “Medley da Beira Baixa”, composto pelos temas Senhora do Almortão, Canção da Beira Baixa e Maria Faia, cuja apresentação do videoclipe, gravado no Portugal dos Pequenitos e no Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra, ocorreu dia 18 de setembro.
“Com 25 anos, em pleno ano 2022, penso que estou a passar pela melhor fase a nível musical que alguma vez tive”. São as palavras da cantora que quer quebrar barreiras e abrir portas para que outras mulheres também cantem o fado de Coimbra. “É uma responsabilidade muito grande, mas é um passo que deve ser feito para motivar outras mulheres. Há quem me pergunte se faço por uma questão feminista e eu gosto de dizer que não. Eu luto pelos direitos das mulheres, mas o fado de Coimbra não é uma questão de género, nunca foi nem nunca vai ser. É muito egoísta que pensem assim. Sempre foi cantado por homens devido à tradição estudantil, porque as mulheres não estudavam e sempre foram conotadas como ouvintes”, explica à New in Coimbra.
“Eu concordo com a história e tradição, mas atualmente as mulheres já estudam e há quem queira cantar o fado de Coimbra”, acrescenta. Para a cantora, “é uma bênção ter este papel, já que outras figuras femininas, como Maria Teresa Noronha, tentaram fazê-lo, mas nunca com grande expressão”.
Beatriz Villar inspira-se em Marisa Liz, Carolina Deslandes e Bárbara Tinoco. Nomes como Maria Bethânia, Martinho da Vila e Teresa Salgueiro remetem à sua infância, uma vez que os pais ouviam música brasileira e, no panorama internacional, tem Adele como exemplo. Não fica pelo fado, garante, certa de que é na música que quer continuar a trabalhar. É professora de canto na Escola de Fado de Coimbra e ensina a explorar o jazz, aprofundar o pop e a crescer no fado.
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