Beatriz Rosário viveu até aos 21 anos em Coimbra, cidade que a viu nascer, crescer e licenciar-se em Economia na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Assim que terminou os estudos, partiu à aventura para Lisboa, onde acabou por completar a formação com um mestrado em Marketing Intelligence na Universidade Nova.
Apesar disso, a música nunca ficou esquecida nem para segundo plano. A prova disso foi o lançamento do EP “Rosário”, em 2022, onde procurou encontrar um ponto de ligação entre a tradição da música portuguesa e os ritmos contemporâneos. O primeiro single “Ficamos por aqui” esteve sete semanas no primeiro lugar na RFM e ainda conta com mais de 800 mil streams no Spotify.
Nos dois últimos anos, Beatriz passou pelos mais diversos festivais de música, desde o MEO Sudoeste, MEO Marés Vivas, Festival F, Super Bock em Stock e ainda o Sol da Caparica. Em novembro de 2023, a artista cantou ao lado de Fernando Daniel na MEO Arena, em Lisboa, e na Super Bock Arena, no Porto.
Aos 25 anos, Beatriz continua o seu percurso com o lançamento dos dois singles, “Madalena” e “Coimbra tem mais encanto”, onde transformou a sonoridade do tradicional Fado de Coimbra. A propósito destes dois novos temas, a New in Coimbra falou com a artista sobre as suas raízes e o futuro.
Leia na íntegra a entrevista da New in Coimbra a Beatriz Rosário.
Como deu os primeiros passos no mundo da música e porque escolheu o fado?
Desde pequena que soube que o meu sonho seria cantar e sempre tive muito contacto com a música. A música portuguesa foi a primeira paixão, algo estimulado pela minha avó Rosário, avô Vasco e ainda pelo meu irmão dez anos mais velho. Por isso, sempre cresci com uma mistura de artistas, dos mais tradicionais aos modernos e, a partir daí, sempre tive muito contacto com as artes. Comecei no piano, depois fui para o coro, mas a minha paixão sempre foi cantar fado, algo que não era muito bem visto na altura. Em meados de 2011, o fado voltou a ficar na moda, comecei a frequentar as casas de fado com maior frequência e tentava aprender tudo o que conseguia. Entretanto, fui para a faculdade e aí começou o fascínio pelo Fado de Coimbra.
Como nasceu esta ligação ao Fado de Coimbra e, ao mesmo tempo, a necessidade de reinventá-lo?
Desde miúda que me lembro de gostar e cantar fado em casa, mas quando fui para a faculdade senti que não podia entrar nesse mundo mais tradicional e com as músicas que gostava por ser mulher, uma vez que esses temas eram apenas interpretados por homens. Quando terminei a licenciatura, foi quando me caiu a ficha e decidi que queria criar a minha própria corrente para jovens da minha idade. Apesar de gostar muito do fado tradicional, senti o desejo de exprimir os valores da nossa geração e falar diretamente connosco. Mudei-me para Lisboa e entrei em contacto com o Ivo Lucas e o Agir que abraçaram, de imediato, aquilo que queria fazer. Foi uma adaptação que levou o seu tempo, porque são linguagens completamente diferentes, mas foi essencial eles compreenderem a nova abordagem e cruzamento de géneros musicais que queria trazer.
Entre todos os temas tradicionais do Fado de Coimbra, porque escolheu a “Madalena” e “Coimbra tem mais encanto”?
O Fado de Coimbra é uma expressão completamente única e na cidade a tradição académica é levada muito a sério, posto isto, todos estes temas eram cantados apenas por homens. Eu adorava ir à latada e às queimas das fitas para ouvir principalmente a “Madalena”, mas não a podia cantar porque a tradição não permitia. Assim, quando me mudei para Lisboa, sabia que queria fazer uma versão feminina das canções. Não fazia sentido manter a letra que é cantada de um homem para a mulher, além de que nasceu há imensos anos. A verdade é que a primeira mulher a estudar na Universidade de Coimbra foi em 1891, mas mesmo assim durante muitos anos as mulheres não foram muito bem aceites. Hoje em dia, temos muita sorte em poder estudar, o que permitiu que as mulheres saíssem do molde convencional de donas de casa. Somos todas um pouco Madalenas, um espírito livre que queria ser dona da própria voz e um membro ativo da sociedade. A música é uma homenagem a todas as Madalenas, que são mulheres empoderadas. No caso de “Coimbra tem mais encanto”, decidi apostar por ser um tema icónico da cidade e contei com a parceria do grupo da Estudantina de Coimbra. Estava com receio por não ser convencional e até mesmo, porque fui a única rapariga a assistir aos ensaios da tuna. Não sabia o que podia esperar, mas fico feliz que esteja a ser bem recebida. Agora, quem sabe, que esta possa ser uma aproximação da tradição às mulheres, principalmente com a “Madalena”, por ter sido apenas cantada por homens e agora ter feito uma resposta a esse tema é algo muito interessante.
A “Madalena” é uma música de resposta à letra original. Como foi o processo de escrita?
Assim que fomos para o estúdio, comecei por mostrar às pessoas e produtores de Lisboa a cultura coimbrã e o repertório académico de Coimbra. A partir daí, disse como estava a pensar em escrever uma música de resposta ao que já existe. Até mesmo a “Coimbra tem mais encanto” não é 100 por cento igual, porque começa com uma pequena biografia minha, para tornar a canção mais pessoal. No caso da “Madalena”, o processo foi engraçado. Tudo começou com um poema e rapidamente se transformou na letra que temos. Mais tarde, chamámos a Estudantina e o grupo acrescentou os instrumentos tradicionais à base mais eletrónica que tínhamos, o que resultou muito bem.
A presença da Estudantina em ambos os temas era um elemento obrigatório?
Não diria obrigatório, mas tinha um grande desejo que assim acontecesse. Inicialmente, quando gravei os temas, utilizei a minha própria voz para construir o coro, só que, na verdade, a minha intenção era a provocação e convidar a tradição para fazer parte desta nova versão. Estes são uns dos seus maiores êxitos académicos e foi muito interessante desafiar a tradição a participar numa resposta à canção deles. Agora também existem tunas femininas e talvez até possam adotar esta resposta. Nunca se sabe.
Ainda que tenha poucos anos de carreira, já passou por diferentes palcos. Como foi a sensação de se apresentar ao público com um som tão distinto?
Adoro estar em cima do palco e ainda na semana passada estava num evento de uma marca e encontrei o Sam The Kid. Gosto das músicas dele e ficámos a conversar. Para mim, a música é isto, é dar a entender que a pessoa não está sozinha, quer para os assuntos felizes como os não tanto felizes e às vezes é reconfortante. Amo a música e é a forma que tenho para me exprimir com maior facilidade em comunicar e quando somos verdadeiros nessa relação é muito recompensador. Tento sempre levar comigo a boa energia e trazer um bom momento para o público.
Qual foi o melhor conselho vindo de outro artista que lhe deram?
Após ter participado no programa “The Voice” na RTP1, fui convidada para cantar com o Fernando Daniel o tema “A Metade”. Achei uma loucura, foi uma experiência do outro mundo. Foi muito arrepiante pisar o palco da MEO Arena completamente esgotado. É incrível a ligação que criámos e nas muitas conversas que tivemos, sempre me disse para ser direta, honesta e nunca deixar assuntos que se podem resolver hoje, para amanhã.
O que podemos esperar no lançamento do primeiro álbum?
Podem esperar uma fusão de estilos, onde o Fado de Coimbra é muito explorado. É uma viagem literal de Coimbra a Lisboa com influências urbanas e pop. É um empoderamento e homenagem à mulher. A “Madalena” nasce da necessidade de contar uma história intensa, interessante e que todas vivemos. Espero fazer arrepiar. Atualmente, as pessoas estão mais despertas para a igualdade de género, mas ainda há muito caminho para percorrer. Não querendo ir contra a tradição, há que louvar as evoluções e trazer uma nova mentalidade.