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A surreal história verídica que inspirou a nova série portuguesa da Netflix

Em 2001 a vida em "Rabo de Peixe" mudou para sempre. A tão aguardada série chegou esta sexta-feira, 26 de maio, à plataforma.

“Inspirada em eventos reais (muito vagamente)”, anuncia o trailer daquela que é a segunda série original portuguesa para a Netflix. Na origem da série criada por Augusto Fraga está, claro, o naufrágio que mudou a vida de Rabo de Peixe, uma freguesia nos Açores que, dizem as estatísticas, é também a mais pobre do País.

“Nada acontece na pequena localidade açoriana de Rabo de Peixe, até que uma tonelada de cocaína chega à costa e muda por completo a vida dos seus habitantes”, é revelado na sinopse da produção que chegou à plataforma esta sexta-feira, 26 de maio. “Eduardo, um jovem pescador, e os seus melhores amigos improvisam um negócio com o que chega do Oceano Atlântico. Mas, uma tonelada de cocaína não passa despercebida e os nossos protagonistas irão enfrentar os donos desta droga, a polícia e uma série de personagens imprevisíveis numa aventura perigosa e sem retorno.”

“Rabo de Peixe” é mais um momento de relevo na era do streaming em Portugal. Depois de “Glória”, a Netflix volta a apostar numa produção nacional e preenche-a com um elenco recheado de nomes conhecidos: José Condessa, Helena Caldeira, Rodrigo Tomás, André Leitão e Kelly Bailey. Maria João Bastos, Pepê Rapazote, Albano Jerónimo, Afonso Pimentel e Salvador Martinha também participam no projeto.

A história das últimas décadas de Rabo de Peixe é romantizada e transformada num thriller que envolve traficantes, droga e perseguições. Mas para lá de uma boa dose de ficção, o evento mais importante de toda esta narrativa é 100 por cento real.

A povoação no norte da ilha de São Miguel tinha pouco mais de sete mil habitantes, quase todos pobres e também quase todos ligados à pesca. A 6 de junho de 2001, tudo mudou.

Na turbulenta noite que antecedeu o evento, um veleiro Sun Kiss 47 enfrentou dificuldades no duro oceano Atlântico. As ondas provocaram estragos na embarcação e acabariam por derrubar o mastro. Em pânico, a tripulação procurou não salvar a sua vida, mas salvaguardar a carga que traziam a bordo.

Atracar no porto mais próximo era uma impossibilidade. Isto porque toda a carga era ilegal. No barco seguiam cerca de 500 quilos de droga, estimaram mais tarde fontes oficiais. Pior: a cocaína transportada era de uma pureza impressionante de mais de 80 por cento. Os traficantes procuraram então guardar a carga numa das grutas da costa, enquanto parte dela foi também afundada no oceano, para ser recolhida mais tarde. O plano não funcionou.

No dia seguinte, o violento mar desalojou os fardos dos esconderijos e guiou-os naturalmente até à costa. Em Rabo de Peixe, todos observaram os estranhos pacotes a surgirem ao largo das rochas. Os registos do que aconteceu nesse dia são confusos, mas consta que os habitantes acorreram à praia a recolher tudo o que puderam.

O acontecimento não passou despercebido à população da ilha e, claro, às autoridades, que rapidamente se colocaram em campo para tentar resgatar a droga. Segundo dados oficiais, terão sido apreendidos 400 quilos de cocaína, o que equivaleria a 100 quilos deixados nas mãos de quem os tivesse apanhado. Os relatos são pouco fidedignos, mas apontam para que esse número seja maior — até porque o barco teria capacidade para transportar bastante mais droga.

A cocaína, sobretudo com uma pureza tão grande, era raramente avistada ou consumida numa das regiões mais pobres do País. Este contacto — e a abundância com que ela surgiu entre a população — teve um efeito radical nas vidas dos locais.

Entre os relatos verídicos, surgiram também os mitos e as lendas. Havia quem falasse no uso generalizado da cocaína, que nos relatos jocosos era usada como farinha ou até para misturar no café. No terreno, os efeitos eram muito menos engraçados — e muito mais nefastos.

Se para muitos, a posse da droga era vista como forma de fazer dinheiro fácil, para outros a tentação de a provar foi ainda mais forte. O resultado foi um número recorde de internamentos e de overdoses registado nos hospitais da ilha. Ainda mais grave foram os efeitos secundários do consumo da cocaína.

Muitos locais começaram a sofrer de insónias e a recorrer também à heroína, o que provocou uma onda de toxicodependência na região que ainda hoje se faz sentir. Rabo de Peixe é um dos concelhos em todo o continente europeu com maior taxa de toxicodependência.

As autoridades colocaram-se no terreno para alertar os locais para os perigos do consumo e, ao mesmo tempo, para procurar os responsáveis pelo naufrágio. O primeiro e único culpado encontrado pela polícia foi o italiano Antoni Quinzi, detido no porto de Ponta Delgada. E, apesar de ter colaborado com as autoridades, acabaria por protagonizar outro episódio inusitado: foi capaz de escapar da prisão de Ponta Delgada. Acabaria por ser novamente apanhado, após ter sido encontrado num pequeno barraco, já com um passaporte falso.

Carregue na galeria para conhecer as novas séries que chegaram à televisão em maio.

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