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O verde é uma das cores mais odiadas e temidas da moda. Porquê?

Ainda é considerado um tom difícil de usar, mas pode ser uma aposta democrática. A NiC falou com uma especialista sobre o fenómeno.
O tom tem muitos meses associados.

Em 1863, a Imperatriz Eugénie de França atraiu a atenção da imprensa ao usar um vestido verde-esmeralda na Ópera de Paris, uma cor raramente vista na época. O tom vibrante da peça, que foi destaque nas manchetes do dia seguinte, levantou questões sobre os pigmentos utilizados.

Durante muitos anos, o uso dessa cor foi desaconselhado, pois era obtida a partir de pigmentos tóxicos. O verde, que se originava da combinação de cobre e trióxido de arsénio, era considerado letal e podia causar sérios danos à pele.

Atualmente, o verde está totalmente democratizado no mundo da moda, mas ainda enfrenta alguns preconceitos. Entre várias superstições e a reputação de ser difícil de usar e combinar, conquistou o título de uma das cores menos apreciadas da indústria — o que, por sua vez, pode resultar em escassez nas lojas e nos armários dos portugueses.

“Todas as pessoas podem usar verde”, começa por afirmar à NiC Margarida Ribeiro, especialista em coloração pessoal e pioneira na discussão deste tema em Portugal. “É uma combinação de duas cores; o azul, um pigmento frio, e o amarelo, que é quente. Uma vez que está no meio, cria um equilíbrio que está associado à renovação, confiança e natureza.”

“O mito de que não é democrático”, segundo a especialista, está ligado a vários fatores históricos. Inventado no final do século XVIII, o pigmento chamado Verde de Scheele [o químico que o criou] Scheele foi banido da moda por mais de 80 anos devido a diversas mortes relacionadas com roupas e acessórios desse tom.

A alternativa segura, a que se chamou “nouveau vert”, só surgiu em 1859, mas poucos ousaram utilizá-la até que a Imperatriz Eugénie a popularizou em toda a Europa inteira a falar. Há até quem diga que as costureiras evitam a cor por receio que traga “má sorte”.

No mundo do teatro, o verde é considerado uma cor de azar para figurinos e cenários. Esta ideia que remonta à utilização dos primeiros refletores, feitos à base de limão (limelight), que não realçava bem os tons esverdeados. Já no folclore irlandês acredita-se que o uso excessivo do verde pode enfurecer certas fadas, que se associam a essa cor.

Apesar da evolução na produção do pigmento, que antigamente desbotava rapidamente, ainda é difícil de obter com a intensidade e durabilidade desejadas. Diferente do azul e do vermelho, a fabricação de tecidos em verde é mais complexa e suscetível a variações de tom. 

A par destas questões mais técnicas, à primeira vista, as marcas parecem favorecer opções mais comerciais, como os neutros preto e branco, ou alternativas vibrantes como encarnado, azul e rosa. Contudo, Margarida discorda.

Se analisarmos atentamente, encontraremos sempre peças de cores terciárias como verde oliva, musgo ou azeitona. É considerada uma cor neutra acromática, parecendo um ‘preto colorido’“, explica. “É fácil de utilizar em qualquer modelo, então as marcas optam por estes tons para fugir às mais habituais.”

Embora tonalidades como verde menta ou alface tenham perdido o destaque que tiveram em 2022, o verde-garrafa continua a ser uma escolha popular devido à sua versatilidade, sejam em combinações, sobretudos ou acessórios.

O verde favorece alguém?

A melhor forma de perceber se uma tonalidade o favorece é através da análise de cor. Este processo avalia tons de pele, cabelo e olhos para identificar quais as cores que complementam melhor o rosto (normalmente, aproximam-se pedaços de tecido com diferentes cores para os descobrir). Embora inclua subdivisões, o método sazonal divide os perfis em primavera, verão, outono e inverno, consoante os traços naturais de cada um

À estação mais fria do ano, pertencem pessoas com uma pele clara, mas cabelo e olhos mais escuros, e a paleta contém opções mais intensas e vibrantes. “Se falarmos de pessoas com uma pele mais quente, verdes mais quentes, como o oliva ou o musgo, vão ficar interessantes”, refere Margarida. “Caso a pessoa seja mais rosada, já podemos falar de um esmeralda. Tudo depende vai depender da temperatura da pele.”

No entanto, existem tonalidades que funcionam para quase todos os tipos de pele, como o verde-garrafa, que “é considerado universal e um substituto do preto”, e o cáqui, associado aos militares e à proteção.

Graças à democratização do tom, há muitos matizes novos a surgir, sendo que Margarida destaca o verde menta como uma das tendências para a próxima estação quente, com o regresso da moda dopamina do pós-pandemia. “Tem muito frescor, mas é clara, suave, racional e sofisticada, por ser mais fria.”

Do Bottega Green à febre brat

Embora tenha sido “uma cor recusada e negligenciada”, o verde experimentou um renascimento na moda. “As cores acompanham as tendências sociais e o que as pessoas querem sentir. Neste momento, procuram este equilíbrio e renovação.”

O pigmento voltou a fazer manchetes com a introdução do “Bottega Green” na coleção primavera-verão 2021 da Bottega Veneta, com o intuito de chamar a atenção para uma nova carteira. Embora o antigo diretor criativo da marca, Daniel Lee, já tivesse explorado tons esverdeados antes, foi nesse ano que a paleta impulsionou a popularidade da marca, vista como uma “gigante adormecida”.

Após a saída repentina de Lee, em 2022, sugiram dúvidas o futuro do verde na marca. “Acabou-se o BV Green?”, tweetou Vanessa Friedman, crítica de moda do “The New York Times”, em novembro desse ano. Mas a verdade é que nas ruas ou nas passarelas — das peças Gucci de Tom Ford aos modelos Louis Vuitton de Marc Jacobs —, o tom continuou a prosperar.

No ano passado, todas as variações do tom receberam (literalmente) luz verde. Em parte, devido ao sucesso do disco “Brat”, de Charlie XCX, lançado a 7 de junho, que conquistou milhões de streams e também vários Grammys. O tom verde elétrico da arte do álbum tornou-se uma marca registada, aparecendo em memes e até em declarações políticas.

Este pigmento específico dominou o verão de 2024. A tonalidade até transcendeu a cultura pop e fez manchetes quando, após a desistência de Joe Biden como candidato democrata, a cantora britânica aproveitou o X (antigo Twitter) para declarar que “Kamala é brat”, levando a candidata democrata a adotar esta estética na sua campanha.

A mesma tonalidade, aliás, já se tinha destacado quando, no outono de 2022, a Pantone elegeu um tom que designou lime punch — um verde-lima vibrante, atípico para a estação em que as folhas caem das árvores. 

Segundo o simbolismo da cor, esta mistura entre o verde e o amarelo tem um efeito calmante, e é frequentemente associado à natureza e ao equilíbrio emocional, características que muitos procuram atualmente. Por ser moderno e ousado, invadiu as passarelas das marcas, as vitrines das lojas e os looks das influencers.

Como combinar o verde?

Nos últimos tempos, Ana tem respondido a várias dúvidas sobre possíveis conjugações. “O verde oliva, por exemplo, fica muito interessante com o castanho por ser um neutro e uma tendência da estação fria, mas também funciona com rosa suave, devido ao contraste.

Uma das dicas da especialista é apostar numa combinação complementar, ou seja, em cores opostas no círculo cromático. “Por vezes, é considera uma mistura demasiado colorida, mas é um mito. Se pegarmos no caso do verde oliva e no rosa suave, complementam-se, mas têm em comum essa intensidade mais suave.”

Uma das apostas para a temporada, o verde-garrafa, por sua vez, funciona bem com azul, uma combinação que está a ganhar popularidade. “É difícil falhar quando se trata de um tom intermediário, no que toca à temperatura. Ou seja, que não é muito quente, nem tão frio. É por isso que estamos a ver cada vez mais modelos nesta tonalidade.”

Outra das razões pelas quais o verde se tem tornado, aos poucos, um pilar na moda é o facto de, tal como o amarelo, não é associado a um género específico. Como não está em nenhum dos dois campos, enquadra-se nas conversas em torno do género, mais complexas do que no tempo em que as mantas dos carrinhos de bebé eram apenas azuis ou rosa.

Esta flexibilidade reflete a crescente curiosidade pelas cores, especialmente após a pandemia, com um desejo de diversificação no guarda-roupa. “As pessoas estão cada vez mais abertas a novas paletas e a sair da sua zona de conforto”, conclui Margarida. 

Se não sabe por onde começar, a NiC reuniu algumas peças (de vários estilos, preços e marcas) em tons de verde que são fáceis de usar e combinar. Carregue na galeria para as conhecer.

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