“Era uma miúda tímida e muito maria-rapaz”, começa por contar Carla Pereira à NiT. Filha de pais cabo-verdianos, a jovem nascida em Portugal “evitava ao máximo seguir estereótipos femininos” durante a adolescência. Não usava vestidos, maquilhagem nem saltos altos.
Seguir uma carreira como modelo não estava nos seus planos, nem tinha particular interesse pela moda. Em vez disso, dedicou-se ao atletismo — que abandonou quando deixou de conseguir conciliar com a moda — e ainda pensou estudar psicologia ou direito. Atualmente, com 22 anos, acumula capas de revistas, desfiles internacionais e é o rosto de campanhas para gigantes como a Dior e a Givenchy.
O ponto de viragem aconteceu aos 15 anos, quando estudava na escola secundária do Seixal. Um amigo, que trabalhava na Karacter, desafiou-a participar no open day da agência (dia aberto para receber novas caras). Aceitou o repto sem qualquer expectativa, mas com uma motivação: melhorar a forma como avaliava a imagem que o espelho lhe devolvia. “Tinha uma autoestima muito má”, recorda.
Quando se apresentou, foi selecionada automaticamente para a final do concurso Karacter Model Tour, que viria a ganhar em 2015. O processo implicava uma série de etapas — dos bootcamps às sessões mais informativas — que acabou por saltar.
Em casa, começou a a treinar a forma como desfilava, repetindo os movimentos das modelos que apareciam nos vídeos dos desfiles que via na internet. Estudava os passos e a maneira como colocavam as mãos. A confiança só viria mais tarde, com a maioridade, mas foi logo capaz de conquistar os jurados na final do concurso. Com a vitória ganhou a primeira viagem internacional, até Milão.
Da estreia às passarelas internacionais
Estreou-se a desfilar na ModaLisboa em 2015, ano em que também se apresentou Portugal Fashion. Como não tinha experiência alguma, também fez testes fotográficos e editoriais para apresentar como portefólio. Só em 2016 é que se dirigiu até à cidade italiana.
No primeiro semestre, começou a visitar várias agências e a mostrar o seu book. Além de Milão, na mesma altura, conseguiu representação internacional em Paris, Londres e Nova Iorque. Ou seja, as quatro capitais da moda, onde se encontram os titãs da indústria.
“Estava a estudar, quis acabar o secundário e tentava conciliar da melhor forma possível. Tinha papéis da agência a dizer que precisava de me ausentar do País e tinha uma relação muito próxima com a diretora de turma.”
Numa fase inicial, não eram trabalhos tão grandes pela sua falta de disponibilidade. Mas à medida que ganhou independência financeira, e descobria novos sítios, mudou o plano que tinha definido: a ideia era fazer um gap year e voltar a estudar. Ainda pretende formar-se numa área relacionada com o comportamento humano — psicologia ou criminologia.
“Era uma criança num mundo de adultos, a competição era muito alta e apresentavam caras novas todos os dias. Preocupava-me em acrescentar algo novo, deixar a minha marca em cada casting.”
Quando fez a sua primeira semana da moda a sério, em Paris, em 2016, explorou várias marcas e a experiência nos bastidores foi sempre positiva. “Sou aquela pessoa que entra calma, mas tento puxar a energia para cima. A minha presença é marcante porque questiono tudo, falo bastante e sou muito curiosa.”
Nos anos seguintes, Carla integrou agências de modelos de 15 países, dos Estados Unidos ao Japão — sempre com o apoio da portuguesa Karacter. Fez campanhas para marcas como a Benetton, Lâncome, Swarovski, Stradivarius e Bershka, além de ter dado o resto para publicações como a “Elle”, a “Harper’s Bazaar” ou a “Vogue”.
Em 2021, quando voltou a ter oportunidade de viajar teve um dos anos mais importantes da sua carreira. “Estava a viver em Londres e foi um ano de contatos e de ver coisas novas após a pandemia”, frisa. Fez o primeiro desfile da Ferrari, na Fashion Week de Milão, um convite que a marcou.
Já no ano passado, teve a sua estreia na semana da moda de Nova Iorque, pela Brandon Maxwell, e teve a oportunidade de encerrar o ciclo todo das capitais da moda. Depois, rumou para Paris já com a opção de fazer parte do alinhamento da Dior, com a qual viria a desfilar várias estação, do pronto a vestir à alta costura: “Foi aí que tudo mudou na carreira.”
“É uma equipa muito querida, que me vai marcar. Lembro-me de entrar na sede da marca, em Paris, e tirei umas fotos para a diretora de casting [Michelle Lee] e a diretora criativa [Maria Grazia Chiuri]. Todas recebemos o mesmo tratamento, por isso, tento ir o mais neutra e calma possível.”
Esta é uma relação que se tem mantido firme. Este ano, a portuguesa foi escolhida para ser o rosto da nova campanha mundial da Dior, pouco tempo antes de encerrar o desfile de alta costura da etiqueta para a primavera-verão de 2023.
Ao trabalhar com a Dior, “nem sequer sonhava” que, um mês depois, seria também escolhida para protagonizar uma campanha da Givenchy Beauty, sobre o corretor Prisme Libre, o último lançamento.
“Quando apareceu a oportunidade, lembro-me de ficar aos saltos durante imenso tempo”, conta. O dia da campanha durou cerca de 48 horas e, na manhã seguinte, já estava a apanhar um avião para viajar para Nova Iorque, com vários desfiles agendados.
São cerca de oito anos na indústria e Carla ainda estranha quando vê a sua cara num shopping, quando passa numa loja de maquilhagem. “Não sei lidar com isso e os meus amigos fazem questão de mencionar que sou eu. Fico tímida e quero fugir.”
“É sempre complicado visualizar o que é que pode vir mais. Tento sempre pensar que, onde estou, já sou feliz. E quero continuar a trabalhar com marcas que admiro”, conclui. “Sei que tudo pode mudar de um dia para o outro. Mas tenho vontade de manter-me rodeada de mentes tão criativas.”
“É difícil manter relações”
A família assistiu à evolução profissional de Carla com algum receio, desaprovando a decisão da manequim não seguir para a universidade. “Os nossos pais têm uma ideia pré-definida do nosso caminho e, aos 15 anos, decidi que queria fazer uma coisa nova”, sublinha. Sentiu, por isso, uma obrigação maior de lhes transmitir segurança enquanto alternava entre aviões.
Longe das pessoas mais queridas, apesar do sucesso, estava num “mundo onde acabamos por estar sozinhas muitas vezes”, diz. E, por isso, tenta com que as colegas (sobretudo as mais novas) se sintam acompanhadas.
Não é fácil manter relações pessoais numa indústria tão acelerada e competiva. A jovem nunca sabe onde vai estar, mas acabou por fazer amigos no meio. Uma grande parte do seu núcleo mais próximo são modelos ou profissionais da área e, os que não são, percebem quando não consegue comparecer num evento: “O importante é ter-se um círculo forte. Agora tenho-o.”
Aproveite e carregue na galeria para ver alguns dos momentos mais memoráveis do percurso de Carla Pereira, dos editoriais aos desfiles de moda.