Em 2009, Cleane Reis descobriu a arte que viria a mudar a sua vida. Nessa altura, decidiu entrar num grupo da rede social orkut composto por mães que tinham experienciado, de alguma forma, a perda de um filho. Nessa plataforma, Cleane descobriu que alguns participantes decidiram homenagear essa perda através de bonecos reais. “Fiquei fascinada com esse mundo”, explica à New in Coimbra a artista de 36 anos.
Quase todas as mulheres, em algum momento da infância, brincaram com bonecos, fossem Barbies ou Nenucos e foi nesse momento que Cleane se começou a questionar. “Desde pequena que sempre me perguntei porque os bonecos não podiam ser mais reais e quando os descobri enquanto adulta fiquei encantada”, conta. Na altura trabalhava como vendedora num centro comercial e online, por isso, durante o tempo livre começou a pesquisar como podia criar os próprios bonecos.
O processo de aprendizagem nem sempre foi fácil, Cleane aprendeu através de vídeos da Internet e replicou o que via em casa. Aos poucos foi-se apercebendo que trabalhava mais a criar bonecos do que a vender roupa. “Nunca senti um grande fascínio com a maternidade, mas sempre gostei de trabalhar na vertente infantil”, revela.
Como no Brasil, esta arte já era bastante conhecida e valorizada, para encontrar o próprio espaço profissional decidiu mudar-se para Portugal. “O meu pai tinha imigrado uns meses antes e quando vim visitá-lo no Natal tomei a decisão de ficar”, recorda. Apenas oito meses depois, o marido seguiu o mesmo caminho até Coimbra, onde estão a morar há cerca de seis anos.
O processo de criação dos bonecos demora cerca de 60 dias a estar completo. “Primeiro, recebemos o molde pronto, através do fornecedor e avançamos para a pintura dos traços dos bonecos. Depois é colocar o cabelo com uma microagulha e implantá-lo fio a fio”, salienta.
O cabelo utilizado para esta arte é de lã de ovelha por ser mais fino que o cabelo humano. No entanto há cuidados que precisa de ter. Por exemplo, os bonecos não podem usar roupas escuras, ter contacto com acetona ou canetas e o cabelo precisa de ser hidratado de dois em dois meses.
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Cleane utiliza dois materiais: o silicone e o vinil. Os bonecos de vinil têm uma textura de borracha e o corpo é feito através de tecido para os tornar mais maleáveis, já os de silicone são mais pesados, mas podem tomar banho e ainda têm a opção de fazer as necessidades ao ingerir água.
“A maioria das pessoas acha que é uma arte para crianças, mas não é”, explica. A maior procura vem dos pais, que pretendem preservar a memória dos filhos que pode ser feita através de réplicas de fotografias. “Nem sempre precisam de falecer. Há pais que querem apenas guardar esse momento de infância desta forma”, salienta.
Outro exemplo é para pacientes com a doença de Alzheimer. Cleane já ouviu relatos de que os bonecos ajudam a reavivar as memórias mais antigas, fazendo com que, gradualmente, os pais se lembrem dos próprios filhos.
Já no mundo dos mais pequenos, há pais que procuram Cleane e os seus bonecos para ajudar nas crises de ansiedade e depressão dos miúdos a partir dos 11 anos. “Acredito que criem uma ligação afetiva ao brinquedo e este método tem-se tornado cada vez mais popular depois da pandemia”.
No entanto, o mais comum são os pedidos de pais que perdem os filhos. “Houve um dia que me pediram para criar uma réplica com cerca de um ano de uma jovem de 27 anos que morreu. A réplica mais recente foi de uma menina que morreu com apenas oito dias”, conclui.
Os preços variam dependendo do projeto e tempo dedicado, mas rondam entre os 250€, caso pretenda sem cabelo, ou 450€ com cabelo. A réplica através de fotografia pode variar entre os 750€ e 950€, no entanto as mais caras são as de silicone que podem chegar até aos 3090€. As encomendas podem ser feitas através das redes sociais.
Carregue na galeria para conhecer melhor alguns dos trabalhos de Cleane.