Local de muitas tertúlias e de ligação aos principais momentos da história da cidade de Coimbra, o Café Santa Cruz prepara-se este domingo, 7 de maio, para assinalar 100 anos. Uma data muito importante para a atual gerência — dividida entre Vítor Marques, José Cruz e Paulo Gonçalves — e que contará com a presença de algumas personalidades internacionais.
O destaque vai para Ângela Drakou, presidente da Rota dos Cafés Históricos, e Stefano Dominioni, diretor do Instituto Europeu de Rotas Culturais. Os dois vão entregar este domingo aos responsáveis do café o certificado da “Historic Cafés Route — a Cultural Route of the Council of Europe”.
Um gesto que, para Vítor Marques, tem um forte significado, pois pode levar a que estabelecimentos como o Café Santa Cruz passem a integrar as rotas turísticas dos locais onde se encontram instalados. “Há muito que reivindicamos a presença deste tipo de cafés nos circuitos que os turistas fazem para conhecer melhor a história de cada um dos locais”, disse o sócio-gerente à New in Coimbra.
No caso do Café Santa Cruz, este responsável lembra que o seu nome está fortemente ligado à história de Coimbra. E até mesmo antes de ter aberto ao público no dia 8 de maio de 1923. Contemos, então, alguns dos pormenores conhecidos de um edifício que começou por ser uma igreja. Construído em 1530 pelo arquiteto Diogo de Castilho, o espaço foi entregue aos frades crúzios. Com a expulsão das ordens religiosas em 1834, a Igreja de S. João foi dessacralizada e, até se tornar café, serviu como armazém de ferragens, armazém de canalizações e, pasme-se, uma esquadra de polícia, estação de bombeiros e casa funerária.

Polémica da fachada
Até que, no início da década de 20 do século passado, Adriano Ferreira da Cunha, Adriano Viegas da Cunha Lucas e Mário Pais apresentaram um projeto para transformar o edifício em café–restaurante. O projeto assinado pelo arquiteto Jaime Inácio dos Santos foi envolto em polémica, pois pretendia transformar a fachada do primitivo templo, constituída apenas por um portal com três pequenas aberturas na parte superior, numa nova fachada em estilo neo-manuelino abrilhantado por um conjunto de vitrais.
Classificado como Monumento Nacional desde 1921, o espaço do “Santa Cruz”, como é carinhosamente conhecido na cidade, tornou-se uma referência na restauração da cidade. Tertúlias, exposições, debates matinais sobre política ou o jogo de futebol do fim de semana, principalmente dos dois clubes da cidade — Académica e União de Coimbra — marcam a história da antiga igreja que resistiu à ditadura, às diferentes formas de encarar a religião e às diversas crises políticas.
Ao longo destes 100 anos, houve necessidade de realizar duas intervenções de fundo. A primeira na década de 80 e que consistiu numa mudança no balcão, a renovação do chão, casa de banho, palco, tetos, balcão e iluminação. Já no início deste século, foi instalado um novo balcão e abertura do antigo altar-mor da Igreja de São João de Santa Cruz, permitindo dessa forma a realização de tertúlias, debates e exposições”. A intervenção no quiosque lateral, que também faz parte do edifício, levou à criação de um ponto de venda de produtos de merchandising.
Todas estas intervenções, reconheceu Vítor Marques, permitiram ao café abrir-se “definitivamente à cidade de Coimbra”. Neste século de história, o momento mais complicado acabou por ser a pandemia de Covid-19. Em 2020 e 2021, o café foi obrigado a fechar durante quatro meses. “Foi um momento muito complicado para nós, pois nem durante as obras na Praça 8 de Maio fomos obrigados a fazê-lo”, afirmou Vítor Marques.
Crúzio e fado de Coimbra
O Crúzio, doce de raízes monásticas e confecionado com base numa receita antiga de creme de ovo e amêndoa laminada com açúcar polvilhado, tornou ainda mais conhecido o Café Santa Cruz. Embalado numa caixa com ilustração inspirada num dos vitrais, este doce conquistou em 2020 a medalha de ouro do nono Concurso Nacional de Doçaria Rica Tradicional Portuguesa. “Foi uma aposta bem conseguida”, disse o sócio-gerente.
O “Santa Cruz” passou, também, a ser conhecido pelos dois espetáculos diários de Fado de Coimbra e que atraem cada vez mais turistas. É que, além do concerto de cerca de uma hora, ainda podem aproveitar a esplanada exterior com vista privilegiada para a Igreja de Santa Cruz — local onde estão sepultados os dois primeiros reis de Portugal (D. Afonso Henriques e D. Sancho I). A adesão aos concertos levou a gerência do café a lançar um disco só com os grandes sucessos da música conimbricense. O CD já vai na terceira edição e pode ser adquirido no renovado quiosque lateral.
Outro dos momentos altos da história do “Santa Cruz” foi a atribuição por parte da Câmara Municipal de Coimbra, na cerimónia de 4 de julho de 2013, da Medalha de Mérito Empresarial — Grau Ouro. Uma distinção que muito honra os atuais responsáveis que não esquecem o trabalho desenvolvido anteriormente pelas diferentes gerências. Muitas destas histórias serão contadas este domingo e segunda-feira no café da Praça 8 de Maio.
O programa contará com uma arruada, no dia 7 de maio, da Filarmónica de Taveiro, entre o largo da Portagem e a Praça 8 de Maio e concertos. No dia seguinte, ocorre o lançamento de um selo postal dos CTT alusivo ao Santa Cruz, exposição de pinturas do café e da envolvente por oito artistas e a apresentação de um projeto que pretende manter viva a tradição das tertúlias naquele espaço.
Carregue na galeria e conheça um pouco melhor este café histórico.

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