“O marido fotografa, eu cozinho”. É assim que Lobélia Baptista, que já conta 67 anos, se apresenta nas redes sociais, onde conquistou milhares de seguidores com as tentadoras receitas que partilha quase todos os dias. A ligação a este mundo, contudo, surgiu já na reforma, depois de uma vida passada em Lisboa mas com muitas viagens a Espanha e Itália pelo meio, dedicada à publicidade.
“Tanto eu como o meu marido, Abílio Valle, com quem casei há quatro décadas, depois de cinco anos de namoro, trabalhámos sempre em publicidade. Eu entrei na área aos 24. Comecei na parte financeira da Espiral, que originou a Publicis e é francesa. Em seguida, trabalhei no departamento de media de uma empresa de capital espanhol. As duas marcas são clássicas e tradicionais, até porque ainda não havia o digital. Acabei por chegar a diretora de media, um cargo que desempenhei até aos 51”, começa por contar à NiT.
“Ainda que o trabalho se desenrolasse a partir de Lisboa, onde moro desde os três meses, viajava muitas vezes, pois lidava com marcas estrangeiras, como a Fiat e a Chicco. Era, sem dúvida uma das partes mais interessantes de tudo”, acrescenta.
Apesar da paixão pelo que fazia, aos 50 anos quis mudar de vida. “Trata-se de uma profissão muito exigente e stressante, quase sem horários. E naquela altura era ainda mais complicado, porque o digital não estava presente como agora. Não podíamos simplesmente pegar no computador e acabar o que quer que fosse em casa. Em dias mais complicados, precisávamos de ficar na agência até às três ou quatro da manhã. A dada altura, o desgaste começa a ser muito grande. Foi quando decidi afastar-me. O meu marido, que é mais velho oito anos, fez o mesmo, para depois se reformar aos 60, e resolvi apanhar a boleia dele”, explica.
Antes de se dedicar à cozinha, investiu num negócio próprio. “É uma história engraçada. Tinha uma amiga que trabalhava no ‘Diário de Notícias’, também na publicidade, e pensámos que seria giro ter um negócio para nos distrair. Dizíamos nós, porque não fazíamos ideia do que era ter um negócio. Um dia precisei de fazer umas bainhas para tapar uns mockups para um cliente e encontrei aquelas lojas que começaram a aparecer de arranjos de costuras. Decidi avançar, porque não precisava de saber costurar. Com a parte comercial, que dominava, montei uma operação do género e assim foi por oito anos. Depois, lá me reformei e regressei a Arrouquelas, perto de Rio Maior, onde nasci.”
Não foi, porém, uma decisão fácil. “Já estava em Lisboa há demasiados anos e a mudança custou, apesar de visitar a aldeia com regularidade, porque tenho lá família e são só 70 quilómetros de distância. Também tinha transformado a casa do meu avô num sítio de férias. A minha mãe, porém, já tinha voltado e, aos 91 anos, começava a precisar de ajuda, o que pesou na decisão. O meu marido, que nasceu no Congo Belga, mas viveu em Lisboa a vida toda, quis ir, pelo que aconteceu naturalmente”, partilha.
Foi aí que passou a interessar-se mais pela culinária. “Sempre gostei de cozinhar, mas não tinha muito tempo, confesso, pelo que eram coisas mais simples. Também comia muito na minha mãe. Ao fim de semana dedicava-me mais. Agora, cresci a ver a minha mãe e avó cozinharem e interessava-me, fosse pelos cozidos ou pastéis de massa tenra. Quando viajava, gostava muito de ir aos mercados e ver como é que as pessoas comiam e viviam naquela cidade. Ao reformar-me, a minha filha começou a dizer que devia fazer um blogue. Avancei há seis anos e fui desenvolvendo as minhas capacidades. Hoje sei fazer muito mais do que na altura, porque quando fazemos só para nós é sempre diferente.”
Conforme investia mais na área, procurou aperfeiçoar-se. “Fui fazendo workshops. O primeiro foi de macarons, pois gostava muito, mas não tinha ideia de como funcionava. A par disso, o meu marido, um apaixonado por fotografia, também procurou instruir-se para retratar os pratos que fazia, até porque fotografar pessoas, ao que estava habituado e comida, não tem nada a ver”, comenta.
“No fundo, continuamos a ser a boa equipa que sempre fomos. Eu era diretora de media e ele de serviços e clientes. Agora, eu produzo e ele eterniza. É uma boa forma de passarmos a reforma entretidos”, garante Lobélia, que gosta, particularmente, de fazer doces.
“No blogue, ‘Da Horta para a Cozinha’, partilho de tudo, até porque é isso que as pessoas procuram, e vemos bem que os doces e sobremesas causam sempre mais interação, mas não há nada que não goste de fazer ou mesmo de comer. A minha cozinha, contudo, é de inspiração mediterrânica, porque foi com ela que cresci. Pego nas receitas de sempre e vou dando um toque pessoal, mais moderno, mas sempre dentro desta linha. Pelo caminho, vou descobrindo novas técnicas e ingredientes. Ajuda que não tenho restrições alimentares, pelo que posso mesmo preparar de tudo. A reação tem sido espetacular e as pessoas foram das melhores coisas desta aventura. Não teria conhecido tanta gente de outra forma”, diz.
Lobélia tem, porém, os seus favoritos. “A nível de gulodices, gosto muito de fazer arroz doce, já nos salgados sou muito de risotto e arroz de peixe ou churrasco. Acho que a única coisa que não me convence é a comida feita com sangue. Talvez se experimentasse até gostasse, mas o conceito faz-me confusão, pelo que abdico. Depois há as iscas, de que não sou muito fã, mas como. Na minha vida, as favas sofreram as maiores reviravoltas. Na juventude, não apreciava, mas agora faço muitas vezes, seja salteadas ou em paté”, por exemplo.
A cozinhar a sério, também só começou depois de casar, por necessidade. “Até então, tinha quem fizesse por mim, mas depois precisei de me desenrascar, até porque o Abílio não cozinha nada. É ótimo a fazer tudo o resto em casa, mas na cozinha nem entra. Então, quando dividimos as tarefas, fiquei com essa parte. Para me ajudar, tinha as dicas da minha mãe e a ‘Teleculinária’.”
Agora, que já domina a arte, os objetivos passam por continuar a melhorar. “Partilho receitas quase todos os dias. Só aos fins de semana é que nem sempre. A ideia é ir divulgando o que vou fazendo, até porque fotografo o que cozinho em fez de fotografar para cozinhar. E o importante é não desperdiçar nada. Se não comermos em casa, partilho com os amigos, a família e os vizinhos. Nada se perde”, conclui.
Carregue na galeria para espreitar algumas das criações de Lobélia Baptista.