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Ovos estrelados embalados: produto pouco consensual vende-se aos milhões em Espanha

A receita foi patenteada por um espanhol em 2014. Já chegaram a ser vendidos na Mercadona, mas desapareceram das prateleiras.
Custavam 1,80€ duas unidades.

Há quem diga que a Internet é como “uma máquina de lavar”. Contudo, neste caso a expressão mais apropriada seria “como um microondas”. Confuso? Nós explicámos. O caso remonta a 2022, quando a Mercadona começou a vender ovos estrelados embalados por 90 cêntimos cada um. Só precisavam ser aquecidos 30 segundos e, voilà, pareciam acabados de fritar, com a gema líquida.

Durante semanas, não se falou noutra coisa nas redes sociais. Agora, após um ciclo de esquecimento, a discussão ressurgiu — de cara lavada e com a mesma intensidade. Esta segunda-feira, 8 de julho, um eslovaco indignado partilhou uma fotografia de um ovo frito, vendido num recipiente de plástico, no supermercado Súper 6 Encarnación, no Paraguai. Em poucas horas, a capacidade das redes sociais de reavivar memórias tornou-se óbvia e o caso que tinha sido tema de discórdia em Espanha voltou a ser assunto. 

A expressão “nem um ovo estrelado sabe fazer” ganhou outra dimensão em 2022, com a introdução da novidade da Hacendado, a marca própria da Mercadona. Afinal, é um daqueles pratos considerados básicos, que, supostamente, toda a gente consegue preparar. A receita serve de barómetro para aferir a proficiência de cada um frente ao fogão, facto que certamente contribuiu para a intensidade da discussão sobre o produto.

Provavelmente a pensar em quem nunca teve jeito nem tempo para cozinhar, a cadeia espanhola passou a vender embalagens com dois ovos perfeitamente estrelados, por 1,80€. As gemas estavam no ponto, ou seja, líquidas — bastava aquecê-los 30 segundos no microondas.

A sugestão pré-cozinhada — que muitos consideravam uma “ideia genial” — tinha tudo para ser um sucesso. Contudo, assim que as fotografias do produto começaram a ser partilhadas nas redes sociais, começaram a chover críticas. Muitos apontavam o facto de contribuir para o uso excessivo de plástico, sublinhando o impacto ambiental deste tipo de resíduos devido ao consumo desnecessário de alimentos embalados.

Outros criticavam a retalhista por incentivar a compra de refeições pré-cozinhadas. Muitos espanhóis revoltaram-se contra a necessidade de acrescentar ovos à oferta já demasiado extensa deste género de propostas e questionavam as suas consequências a longo prazo na saúde e na educação dos mais novos.

Javier Yzuel, autor da ideia, justifica o que o motivou: “Os tempos mudaram a uma velocidade impressionante. Há 10 ou 15 anos, cozinhava porque tinha disponibilidade para o fazer. Agora, raramente tenho oportunidade para isso”.

O espanhol de 47 anos, fundador da Innovation Foods 360, criou a proposta com um único objetivo: adicionar mais uma alternativa às opções pré-cozinhadas que já se serviam nos supermercados, explicou em várias entrevistas.

“É como uma tortilha de batata”, exemplificou. “Quem quer fazer, faz. Quem não tem tempo ou teve algum imprevisto, tem uma opção praticamente pronta à venda nos hipermercados. Apliquei o mesmo princípio aos ovos estrelados.”

Após defender a funcionalidade da proposta que a Mercadona acrescentou à oferta da Hacendado, o proprietário da patente rebateu as críticas sobre a sustentabilidade. “Estamos cada vez mais sensibilizados para a questão dos plásticos, entendo. Mas temos de ter toda a informação antes de criticar. Estamos a trabalhar para que os ovos passem a ser vendidos em recipientes feitos com fibras recicláveis, mas os processos de aprovação na Europa são lentos. A ideia é que se faça uma evolução constante para reduzir ao máximo o teor de plástico que utilizamos nas embalagens”, explicou Javier Yzuel.

Uma ideia revolucionária

A ideia do gestor hoteleiro não era nova quando a vendeu à Mercadona. Yuzel apresentou-a no relatório final, entregue em 1998, em Saragoça, um dos requisitos para concluir o curso de Gestão Hoteleira, em Teruel. Na altura, a proposta não foi bem recebida, mas volvidas duas décadas (com muita investigação e testes pelo meio) conseguiu passar da teoria à prática.

Quando concluiu o curso foi trabalhar no restaurante dos avós. Porém, percebeu rapidamente que não era aquilo o realizava. Entregou-se à pesquisa que tinha iniciado nos anos 1990 e, após muitas tentativas falhadas, percebeu que tinha de alterar o processo.

Primeiro, teria partir o ovo num molde embebido em óleo, que depois seria levado ao forno a temperaturas entre os 232 e 252 graus, durante pouco mais de dois minutos. Assim que ficasse pronto, tinha de ser arrefecido rapidamente e congelado logo a seguir.

Uma vez descongelado, o ovo deveria ter uma consistência “semelhante à de um ovo acabado de estrelar”, ou seja, com a gema líquida e a clara frita. Em 2014, alcançou o resultado desejado e registou a receita. Depois de obter a patente, começou a procurar possíveis compradores para a sua ideia.

No entanto, não foi uma tarefa fácil. Após a aprovação em Espanha, o inventor enfrentou algumas dificuldades para convencer os examinadores no resto da Europa e nos Estados Unidos. Já existiam pelo menos duas patentes semelhantes, mas o inventor espanhol apresentou dois argumentos de peso: a consistência cremosa da gema e a borda crocante e ligeiramente queimada que os melhores ovos acabados de estrelar apresentam.

“O segredo está em como se alcança uma temperatura que assegure a segurança alimentar e, em seguida, se trava o processo. Aos 65 graus, o ovo coagula. Criei um sistema que permite controlar a temperatura interna do alimento e, depois, reduzi-la abruptamente”, explica. 

“A textura é importante porque demonstra o grau de domínio da temperatura e a habilidade de obter gemas líquidas e perfis tostados, sem carbonizar o ovo.”

Restauração e hotelaria renderam-se à inovação

“Em Espanha, por ano, vendem-se cerca de 50 milhões destes ovos congelados. E não é só nas prateleiras da Mercadona. Há restaurantes de fast food que optam por esta proposta”, revelou Yuzel ao jornal “El Correo”, em 2023.

Porém, a NiC sabe que a cadeia espanhola retirou o produto das prateleiras após a chuva de críticas que recebeu. Em Portugal nunca foram vendidos.

“Uma empresa de Burgos (sobre a qual não posso dar mais informações, porque estou obrigado a manter o sigilo) fabrica 65 mil destes ovos congelados por dia, depois da minha patente ter sido adquirida por uma empresa alimentar com sede em Gipuzkoa, no País Basco”, acrescentou Yzuel.

Atualmente, a fábrica em Teruel (na província de Aragão) da Innovation Foods 360 produz mais de 40 mil ovos estrelados diariamente, sem sal, aditivos nem conservantes. Yzuel tem ainda outra unidade fabril em Vittoria (País Basco), onde vive, e onde são produzidos mais alguns milhares. “São cozinhados e ultracongelados e não representam qualquer risco para saúde“, assegura.

Os ovos aguentam até 18 meses no congelador. O armazenamento é simples e facilita o trabalho na hora de cozinhar — sobretudo nas cozinhas de cadeias de restauração. “Para uma empresa de fast food, que tem de dar resposta a centenas de pedidos por dia, fritar tantos ovos no momento não é possível”, enfatiza.

Além disso, “não existe qualquer diferença entre um ovo frito congelado e os croquetes, lasanhas ou pizzas pré-cozinhadas que se descongelam e se aquecem em casa“, conclui Yzuel.

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